Wladir José Rampinelli *
Adital –
Livro da professora Maria de Fátima da Costa Gonçalves comenta o poder e a influência da famÃlia Sarney em um dos estados mais pobres da Uniáo.O Maranháo, um dos estados mais pobres do Brasil, tem sido governado sistematicamente por estruturas oligárquicas que, com o apoio do poder central, vêm mantendo a regiáo em uma situaçáo de atraso, de dependência e de curral eleitoral. Os últimos 60 anos de vida polÃtica no Maranháo foram marcados por duas dinastias, a de Vitorino Freire, que de 1945 a 1965 desenvolveu relações patrimonialistas, e a de José Sarney – filho polÃtico do vitorinismo, mais tarde rompido com sua origem -, que de 1966 aos dias de hoje exerce o mandonismo local.
Angeli, Brasiliens größte Qualitätszeitung “Folha de Sao Paulo” zu Lula und Castro:”Sag mal, wie gehts denn der brasilianischen Rechten?””Der gehts optimal! Ich habe mich mit ihr verheiratet!”
Acaba de ser lançado – no dia 19 de dezembro de 2008, em Sáo LuÃs (MA) – o livro A Invençáo de uma Rainha de Espada – reatualizações e embaraços na dinâmica polÃtica do Maranháo dinástico (Editora da UFMA), tese de doutoramento da professora Maria de Fátima da Costa Gonçalves, da Universidade Federal do Maranháo. O trabalho, dentro de uma perspectiva teórica bourdiana (de Pierre Bourdieu), analisa a dinastia de José Sarney com seus filhos sociais, polÃticos e biológicos. Roseana Sarney Murad passa a ser a rainha de espada, referência metafórica à s cartas do baralho, cujo peso é relacional, já que o espólio polÃtico do pai está em jogo naquele Estado.
O livro mostra a tessitura do poder dos Sarney no Maranháo, começando pela Lei de Terras nº 2.979 (17/7/69), que, contrariando as pretensões da Sudene de tornar parte da regiáo úmida do Estado em área de povoamento para os flagelados da seca do Nordeste, instituiu o mercado formal de terras, favorecendo o inÃcio do processo de ocupaçáo das mesmas pelos médios e grandes empreendimentos agropecuários. Essa modernizaçáo conservadora possibilitou o crescimento do latifúndio, transformado, hoje, em agronegócio exportador em terras de miseráveis. Soja, arroz e eucalipto sáo alguns dos grandes cultivos do sul maranhense.
A oligarquia sarneysista se escuda em duas estratégias fundamentais para exercer sua hegemonia, quais sejam, no apoio do poder central e nas relações patrimonialistas no próprio Estado do Maranháo. José Sarney é conhecido popularmente pelo apelido de camaleáo, aquele que muda de partido de acordo com as conveniências. Nascido e criado dentro da oligarquia vitorinista, contra ela se rebelou, fundando seu grupo de poder dinástico; dado o golpe de Estado de 1964, tornou-se parte integrante de apoio à s Forças Armadas, chegando a ser presidente nacional do partido polÃtico de sustentaçáo da ditadura militar; acontecida a redemocratizaçáo, tornou-se presidente do paÃs por conta da morte de Tancredo Neves, estendendo seu mandato para cinco anos por meio de uma emenda constitucional com votos negociados; escolhido Fernando Henrique Cardoso presidente da República, dele se aproximou, ao ponto de FHC apoiar entusiasticamente a candidatura de Roseana Sarney Murad ao governo do Maranháo por duas vezes; eleito Lula presidente, Sarney tornou-se senador pelo Amapá, Estado que náo é o seu, e ao mesmo tempo fez senadora pelo Maranháo sua filha Roseana, sendo ambos apoiadores do governo federal, chegando ela a ser lÃder do mesmo na Câmara Alta. Além disso, cabe lembrar que entre 1970 e 2004, exceçáo feita apenas por Oswaldo da Costa Nunes Freire (1974-1979), Sarney foi o gestor de todos os governadores maranhenses.
Por outro lado, a oligarquia sarneysista náo aposta em um desenvolvimento autônomo no Maranháo, já que ele significaria o seu próprio fim. Nas principais cidades do estado, com um pouco mais de independência econômica e polÃtica, os candidatos da oligarquia vêm perdendo, sucessivamente, as eleições. Sáo LuÃs e Imperatriz sáo dois exemplos tÃpicos.
Já Gonçalves aponta em seu livro, como principal estratégia de manutençáo e de reproduçáo das práticas de poder dinástico, a distribuiçáo de cargos e postos entre os parentes consanguÃneos, os parentes por alianças, os parentes por afinidades e o compadrio nas mais variadas instituições do estado do Maranháo. José Sarney estabeleceu uma prática privada de exercÃcio polÃtico, como também constituiu uma rede de parentesco social ampliado. Para tanto domina os setores da polÃtica, da economia, do judiciário, da cultura e das comunicações. Basta ver os nomes dados à s obras públicas, tais como a Vila D. Kiola (máe de José Sarney), Maternidade Marly Sarney (esposa de José Sarney), Creche Rafaela Sarney Murad (neta de José Sarney), Passarela do Samba Roseana Sarney Murad (filha de José Sarney) e o próprio Sarney, que nomeia municÃpio, ponte, fórum, escolas e outros. No entanto, o que mais chama a atençáo, náo pela grandiosidade e sim pela promiscuidade, é o fato de o Tribunal de Contas do Estado do Maranháo, órgáo responsável pela fiscalizaçáo das contas do governo, ser chamado de Palácio Governadora Roseana Sarney Murad.
Além de José Sarney se reproduzir nas placas de bronze das obras públicas, se apropriou do Convento das Mercês, obra construÃda no século 17 no qual pregou o Pe. Antônio Vieira, transformando-o em museu particular. Chegou a fazer em um dos pátios internos, debaixo de uma mangueira, um mausoléu, como bom faraó que é, para empalhar seus restos e os de dona Marly. Pegou da Uniáo uma ilha – a Curupu -, fazendo-a propriedade privada, onde construiu uma de suas tantas mansões, náo permitindo que os pescadores se aproximem dela. Dragas do estado do Maranháo aumentaram a profundidade do „Dono do Mar“ para que barcos com maior calado lá chegassem sem problemas. Amante das letras e conhecedor da história, náo teve nenhum problema em retirar pedras retangulares (cantaria) das ruas de Sáo LuÃs, transportadas pelas caravelas portuguesas nos séculos 16 e 17 para dar estabilidade na travessia do Atlântico, calçando suas quintas privadas. É o público e o privado completamente perpassados.
Às vezes o caciquismo sarneysista chega a um estágio tragicômico, como a estratégia atÃpica adotada para impedir que o irmáo do ex-marido de Roseana Sarney Murad – Ricardo Murad – se candidatasse ao governo do Estado, já que concorreria contra ela. Como Roseana estava separada judicialmente de Jorge Francisco Murad, irmáo do possÃvel candidato a governador, Ricardo Murad, ela se casou novamente com o ex-marido, impedindo, assim, a candidatura do agora já cunhado.
Ao analisar o poder dinástico no Maranháo, faltou em A Invençáo de uma Rainha de Espada mostrar o enriquecimento material da famÃlia Sarney; a rápida expansáo do Sistema Mirante de Comunicaçáo, uma repetidora da Rede Globo; o crescimento do patrimônio de alguns filhos polÃticos ilustres da dinastia, conhecidos nacionalmente, como Édison Lobáo e Epitácio Cafeteira. Este último, depois de passar do status de aliado a adversário polÃtico, retornou à casa do pai em 2005, e esteve envolvido na „Operaçáo Granville“, o até agora náo explicado transporte de Cr$ 170 milhões de seu apartamento, em Sáo LuÃs, para o Rio de Janeiro, em 1990.
A Nova Balaiada – A resistência à oligarquia sarneysista começa a buscar força na história do Maranháo, como no caso da Balaiada (1838-1841), uma revoluçáo acontecida náo apenas no interior do Estado, mas em toda a regiáo, que apresentava um caráter de classe bem definido, com trabalhadores escravos, Ãndios explorados e os trabalhadores livres empobrecidos (com o apoio pontual, mais tarde retirado, de um grupo de liberais chamados de Bem-te-vis, que no fundamental respondiam aos interesses da pequena burguesia urbana) lutando contra fazendeiros criollos e grandes comerciantes portugueses que procuravam repassar os custos da crise econômica para as classes debaixo, já que o algodáo, principal produto de exportaçáo, sofria forte concorrência do sul dos Estados Unidos. Embora os documentos oficiais do império procurassem descaracterizar o conflito de classes, apresentando-o táo-somente como „rebeliáo de facÃnoras“ ou „hordas devastadoras“, teve, em determinado momento, que reconhecer que se tratava pelo menos de uma „guerra civil“ ou de uma „crua guerra intestina“. A história oficial náo conseguiu tirar do imaginário coletivo do povo maranhense esta luta de pobres contra ricos de meados do século 19.
Ocorre que o grupo dinástico de José Sarney, concorrendo mais uma vez ao Executivo estadual em 2006, com apoio declarado do presidente da República, amargou uma dura derrota no segundo turno para Jackson Lago, antigo polÃtico oposicionista, ex-prefeito de Sáo LuÃs e já vencido em outras tentativas de se tornar governador. A derrotada foi nada menos que a guerreira, a Rainha de Espada, ou seja, Roseana Sarney. Desde entáo, o Maranháo dinástico se levantou e, lançando máo de todos os recursos e subterfúgios jurÃdicos, está tentando caçar o governo Lago. Diante da iminência da perda de seu mandato, já que o processo caminhou de forma rapidÃssima nos tribunais, movimentos populares, sindicatos e partidos polÃticos de esquerda se reuniram diuturnamente – em meados de dezembro de 2008 – em frente ao Palácio dos Leões, em Sáo LuÃs, para acompanhar, em um teláo, o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral. Igualmente, por todo o Maranháo, espalharam-se outdoors acusando a possÃvel cassaçáo de mais um golpe sarneysista. A toda esta movimentaçáo denominou-se de Nova Balaiada, em alusáo à luta de classes do século 19. A história, que sempre fora ocultada pela oficialidade, passara a ser utilizada mais uma vez como mecanismo de resistência pelos movimentos populares.
Na verdade, as oligarquias regionais começam a ser golpeadas pelo aumento da luta polÃtica e pela conscientizaçáo dos grupos organizados. Os movimentos populares, o sindicalismo independente, os partidos polÃticos comprometidos com as mudanças estruturais, as pesquisas feitas nas universidades com compromissos polÃticos – como o livro ora comentado – têm contribuÃdo no enfraquecimento dos grupos dinásticos. No entanto, um papel relevante caberia também, ao governo central (BrasÃlia), que poderia ajudar a asfixiar de vez estas estruturas arcaicas de poder. A crise das oligarquias liga-se fundamentalmente à crise do Estado. Terá o presidente Lula interesse em acabar com a oligarquia sarneysista no pobre estado do Maranháo? Os fatos, infelizmente, mostram o contrário. Tampouco a vitória de Jackson Lago aponta diretamente para a superaçáo da mesma. Caberá táo-somente aos maranhenses esse duro embate. Ou seja, Outra Balaida na Ilha da Rebeldia.
[Organizador e autor do livro História e Poder – a reproduçáo das elites em Santa Catarina (Insular, Florianópolis, 2003)]
* Professor do Departamento de História da UFSC
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