Novo modelo de sociedade
Adital –
Ao participar do Fórum Econômico Mundial para a América Latina, a 15 de abril, no Rio, indaguei: diante da atual crise financeira, trata-se de salvar o capitalismo ou a humanidade?
A resposta é aparentemente óbvia. Por que o advérbio de modo? Por uma simples razáo: náo sáo poucos os que acreditam que fora do capitalismo a humanidade náo tem futuro. Mas teve passado?
Em cerca de 200 anos de predominância do capitalismo, o balanço é excelente se considerarmos a qualidade de vida de 20% da populaçáo mundial que vivem nos paÃses ricos do hemisfério Norte. E os restantes 80%? Excelente também para bancos e grandes empresas. Porém, como explicar, à luz dos princÃpios éticos e humanitários mais elementares, estes dados da ONU e da FAO: de 6,5 bilhões de pessoas que habitam hoje o planeta, cerca de 4 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, dos quais 1,3 bilháo abaixo da linha da miséria. E 950 milhões sofrem desnutriçáo crônica.  Se queremos tirar algum proveito da atual crise financeira, devemos pensar como mudar o rumo da história, e náo apenas como salvar empresas, bancos e paÃses insolventes. Devemos ir à raiz dos problemas e avançar o mais rapidamente possÃvel na construçáo de uma sociedade baseada na satisfaçáo das necessidades sociais, de respeito aos direitos da natureza e de participaçáo popular num contexto de liberdades polÃticas.
O desafio consiste em construir um novo modelo econômico e social que coloque as finanças a serviço de um novo sistema democrático, fundado na satisfaçáo de todos os direitos humanos: o trabalho decente, a soberania alimentar, o respeito ao meio ambiente, a diversidade cultural, a economia social e solidária, e um novo conceito de riqueza.
A atual crise financeira é sistêmica, de civilizaçáo, a exigir novos paradigmas. Se o perÃodo medieval teve como paradigma a fé; o moderno, a razáo; o pós-moderno náo pode cometer o equÃvoco de erigir o mercado em paradigma. Estamos todos em meio a uma crise que náo é apenas financeira, é também alimentar, ambiental, energética, migratória, social e polÃtica. Trata-se de uma crise profunda, que põe em xeque a forma de produzir, comercializar e consumir. O modo de ser humano. Uma crise de valores.
Desacelerada a ciranda financeira, inútil os governos tentarem converter o dinheiro do contribuinte em boia de salvaçáo de conglomerados privados insolventes. A crise exige que se encontre uma saÃda capaz de superar o sistema econômico que agrava a desigualdade social, favorece a xenofobia e o racismo, criminaliza os movimentos sociais e gera violência. Sistema que se empenha em priorizar a apropriaçáo privada dos lucros acima dos direitos humanos universais; a propriedade particular acima do bem comum; e insiste em reduzir as pessoas à condiçáo de consumistas, e náo em promovê-las à dignidade de cidadáos.
Há que transformar a ONU, reformada e democratizada, no fórum idôneo para articular as respostas e soluções à atual crise. Urge implementar mecanismos internacionais de controle do movimento de capitais; de regular o livre comércio; de pôr fim à  supremacia do dólar e aos paraÃsos fiscais; e assegurar a estabilidade financeira em âmbito mundial.
Náo haveremos de encontrar saÃda se náo nos dermos conta de que novos valores devem ser rigorosamente assumidos, como tornar moralmente inaceitável a pobreza absoluta, em especial na forma de fome e desnutriçáo. É preciso construir uma cultura polÃtica de partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano, e passar da globocolonizaçáo à globalizaçáo da solidariedade.
As Metas do Milênio e, em especial, os sete objetivos básicos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, de 1995, devem servir de base a um pacto para uma nova civilizaçáo: 1) Escolaridade primária universal; 2) Reduçáo imediata do analfabetismo de adultos em 50%; 3) Atençáo primária de saúde para todos; 4) Eliminaçáo da desnutriçáo grave e reduçáo da moderada em 50%; 5) Serviços de planificaçáo familiar; 6) Ãgua apta para o consumo ao alcance de todos; 7) Créditos a juros baixos para empresas sociais.
A experiência histórica demonstra que a efetivaçáo dessas metas exige transformações estruturais profundas no modelo de sociedade que predomina hoje, de modo a reduzir significativamente as profundas assimetrias entre nações e desigualdades entre pessoas.
[Autor, em parceria com Luis Fernando VerÃssimo e outros, de „O desafio ético“ (Garamond), entre outros livros].
* Escritor e assessor de movimentos sociais
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