„Bananenrepublik“. Brasilianisches Nachrichtenmagazin „Carta Capital“, April 2016, zur innenpolitischen Lage.
http://das-blaettchen.de/schlagwort/klaus-hart
http://www.trend.infopartisan.net/trd7803/t257803.html
17.4. 2016, US-Hinterhof Brasilien – Pro-Impeachment-Kundgebung auf der Avenida Paulista in Sao Paulo. Unter Lula-Rousseff wurde Brasilien weiter spürbar u.a. soziokulturell amerikanisiert – Brasilien und die USA haben u.a. ein Gewalt-Gesellschaftsmodell als auffällige Gemeinsamkeit. 2016 wurden bis April allein im Teilstaat Sao Paulo laut offiziellen Daten 27 Polizeibeamte von Verbrechern ermordet – durchschnittlich alle vier Tage ein Beamter. http://www.hart-brasilientexte.de/2010/10/21/polizist-in-sao-paulo-gesichter-brasiliens-gefahrlichster-enorm-wichtiger-beruf-des-landes-taglich-werden-polizisten-ermordet/
In Sao Paulo überfallen schwerbewaffnete Räuberbanden immer häufiger Trauergesellschaften während der Beerdigung auf dem Friedhof – Friedhofsmitarbeiter greifen daher zu grotesken Vorkehrungen, bewaffnen sich – und rufen während der Beerdigung laut in Richtung lauernder Banditen, daß die Trauergesellschaft bewaffnet sei.
Zum Stadium der Regellosigkeit gehört, daß laut Statistik allein in der Megacity Sao Paulo 42 % der Heranwachsenden sowie jungen Erwachsenen PKW oder Motorräder ohne Führerschein benutzen, teils vom 14. Lebensjahr an. In anderen Teilstaaten gibt es sehr viele LKW-Fahrer, die ihr gesamtes Berufsleben lang ohne Führerschein unterwegs sind. Die Zahl der tödlichen Verkehrsunfälle ist in Brasilien entsprechend hoch. Opfer von sogenannten Blitzentführungen trifft man regelmäßig in ganz Brasilien. Bevorzugt Frauen werden solange u.a. in Slum-Verließen festgehalten, bis alle Konten leergeräumt, Kreditkarten bis zum Limit genutzt wurden. Das kann ein paar Tage, aber auch Wochen dauern. Wegen der in Brasilien herrschenden Rachekultur machen die Opfer gewöhnlich keinerlei Anzeige bei der Polizei. http://www.hart-brasilientexte.de/2008/02/15/wem-nutzen-banditendiktatur-und-immer-mehr-no-go-areas/
Nicht zufällig wurde Brasilien daher zum strategischen Partner der deutschen Regierung erwählt.
Militärstützpunkte der USA im Ausland:http://www.hart-brasilientexte.de/2014/04/12/ukraine-2014-militarstutzpunkte-der-usa-im-ausland/
“Morden mit Effizienz” – Bestsellerautor Joao Ubaldo Ribeiro:http://www.hart-brasilientexte.de/2012/08/26/brasilien-morden-mit-effizienz-bestsellerautor-joao-ubaldo-ribeiro-in-rio-de-janeiro-analysiert-gewaltkultur-des-tropenlandes-unter-lula-rousseff-morden-in-brasilien-ist-viel-banaler-als-jed/
Katholischer Priester Günther Zgubic aus Österreich, langjähriger Leiter der Gefangenenseelsorge Brasiliens, zum beredten Schweigen ausländischer Medien angesichts gravierender Menschenrechtsverletzungen in dem Tropenland: „Die internationalen Medien sind total manipuliert – wenn eine Oberschicht einfach nicht will, daß international hinterfragt wird, dann wird darüber eben nicht berichtet.”
Gesichter Brasiliens – Megacity Sao Paulo, Fotoserie:http://www.hart-brasilientexte.de/2015/10/31/gesichter-brasiliens-megacity-sao-paulo-2015/
O Brasil vai às urnas no escuro
Após meses de intensa propaganda eleitoral e o dispêndio estimado de R$ 1 bilhão nas três principais campanhas presidenciais, o primeiro turno do pleito de 2014 chega ao término sem que nenhum dos problemas fundamentais da população tenha sido objeto de uma discussão séria. Assim, depois de meses de programas pirotécnicos, um rosário de promessas fantasiosas, muito blablablá, e alguns debates que mais parecem gincanas de esperteza e concurso de tiradas espirituosas – a maioria chula e de mau-gosto -, o brasileiro vai às urnas no escuro.
Não obstante o sentimento generalizado de grande insatisfação com o status quo e a crescente evidência de que os problemas econômicos, sociais, políticos e ambientais se agravam dia a dia, o eleitor decidirá seu voto sem ter tido a oportunidade de conhecer minimamente o posicionamento dos candidatos sobre questões decisivas para o destino da Brasil. Não foi por falta de recursos para financiar a comunicação com a população. Além das despesas das campanhas presidenciais, o Tribunal Eleitoral calcula que o gasto dos milhares de candidatos a cargo eletivos nas eleições alcançará a inacreditável cifra de R$ 73 bilhões.
A lista de questões que permaneceram no limbo seria interminável, mas alguns exemplos bastam para ilustrar a importância do que não foi discutido:
Por que o parque industrial brasileiro está sendo desmantelado? Qual a relação entre a desindustrialização e o avanço do agronegócio e da mineração? Como enfrentar as forças desestabilizadoras que deixam a vida nacional à mercê dos humores do capital internacional e de seus sócios internos? O neodesenvolvimentismo conseguiu cumprir a promessa, tantas vezes repetidas, de crescimento auto-sustentado? A crise internacional é mesmo uma marolinha? Que papel a nova divisão internacional do trabalho reserva ao Brasil?
É possível compatibilizar a cópia dos estilos de vida e padrões de consumo das economias centrais com a diminuição das desigualdades sociais? Qual a causa estrutural da pobreza? O que deve ser feito para vencê-la? Como resolver o flagelo do homem pobre que vive no campo? Como gerar empregos estáveis e bem remunerados para o trabalhador brasileiro? Como defender os povos indígenas do avanço das madeireiras, agronegócio, hidroelétricas e mineradoras? O capitalismo brasileiro pode prescindir da superexploração do trabalho e da depredação da natureza?
Por que a população pobre é sistematicamente empurrada para regiões cada vez mais longínquas e abandonas das grandes cidades? É possível conciliar a fome de lucro das grandes empreiteiras com uma política consistente de combate ao déficit habitacional? Como desvencilhar as políticas urbanas dos interesses do capital mercantil urbano e subordinar a cidade às necessidades de quem nela vive? Para além de soluções a conta-gotas baseada na expansão gradual de faixas exclusivas para ônibus e de programas residuais de abertura de ciclovias em grandes cidades, como resolver de fato o problema da mobilidade urbana que atormenta diariamente milhões de brasileiros?
Qual o volume de recursos necessários para que o setor público possa cumprir sua obrigação de fornecer serviços gratuitos e de boa qualidade em educação, saúde, transporte, saneamento básico, moradia, segurança pública, cultura, lazer etc.? Como obtê-los? A reforma tributária apregoada pelos neoliberais de plantão contempla essa discussão? A que interesses ela serve? Quais as consequências sociais da Lei de Responsabilidade Fiscal? É razoável gastar com pagamento de juros da dívida pública praticamente o mesmo que se gasta com educação e saúde?
Como enfrentar o problema do atraso econômico e social do Nordeste? Qual a alternativa social e ambientalmente construtiva para o desenvolvimento da região Norte? Por que existe “guerra fiscal”? Como resolver a crise federativa que deixa todas as regiões do Brasil a reboque da burguesia paulista?
Qual o custo econômico, social e ambiental do modelo energético brasileiro? A quem ele interessa? Qual a estratégia de exploração dos recursos minerais brasileiros? Como será distribuído e utilizado o excedente econômico gerado pela exploração do Pré-Sal?
O que bloequia a universalização dos serviços de saneamento básico? Quais são as forças econômicas responsáveis pela devastação da Amazônia? Por que o Estado é omisso e conivente com o crime ambiental? Para além da crença em São Pedro, qual a causa estrutural do problema da água em São Paulo? Existe alguma relação entre a estiagem no Sudeste e a devastação da floresta amazônica?
Qual a relação entre “metas inflacionárias” e penúria de recursos para políticas públicas? Existe um horizonte para o fim da política de austeridade fiscal que mina a capacidade de gasto do setor público? A quem o BNDES serve? Qual o balanço da política de privatização? As PPPs melhoraram os serviços públicos? Os bancos cumprem a sua função social precípua de financiar os investimentos? Qual o custo e as implicações da crescente entrada de capital estrangeiro no Brasil? A população está consciente de que a nova rodada de reformas liberais exigida pelo capital internacional implica nova ofensiva sobre os direitos dos trabalhadores?
Qual o objetivo da política educacional do Brasil? Os professores estão bem capacitados e remunerados? Como explicar a contradição entre a sistemática melhoria dos indicadores de eficiência do sistema educacional e a evidente indigência da educação dos jovens? É correto subordinar o ensino à lógica da decoreba do vestibular?
O que deve ser feito para que a universidade brasileira deixe de ser uma mera correia de transmissão do colonialismo cultural difundido das economias centrais? Como democratizar o acesso à universidade pública? As universidades privadas têm contribuído para o desenvolvimento da pesquisa no Brasil? O Estado deve transferir recursos públicos para as universidades privadas? O Brasil possui um sistema nacional de pesquisa científica à altura dos desafios históricos gerados pela revolução algorítmica?
Qual a política de saúde preventiva do Estado brasileiro? Os centros de pesquisa sobre saúde pública têm recebido os recursos necessários para operar adequadamente? É possível compatibilizar o SUS com a medicina privada? O sistema previdenciário garante uma vida digna para o idoso brasileiro? Por que o aborto é um problema de saúde pública? O que tem sido feito para resolver efetiva e definitivamente o déficit de assistência médica para a população carente?
O que explica a crise de representatividade que abala a democracia brasileira? Existe relação entre a fábula gasta nas campanhas e a corrupção da política? O que explica a incapacidade endêmica da sociedade brasileira para separar o espaço público do espaço privado? Por que o interesse público não é incorporado à razão de Estado? O que está por trás da criminalização da luta social?
Qual o balanço das políticas de “pacificação” das favelas? O estado de exceção militar como forma de relacionamento dos aparelhos repressivos do Estado com a população pobre não é uma forma ultra-autoritária de conviver com a segregação social? Quem bloqueia a desmilitarização da PM? Não teremos mais outros Amarildos? Qual a relação entre crime organizado, milícias, aparelho policial e judicial do Estado, bancada parlamentar da “bala” e cúpula do poder político brasileiro?
O legado anti-social, antinacional e antidemocrático da ditadura militar foi superado? Qual a relação dos problemas econômicos, sociais e culturais do presente com o padrão de desenvolvimento capitalista da época da ditadura do grande capital? Até quando a sociedade terá de esperar para conhecer a verdade e penalizar os culpados pelos desmandos feitos por militares, civis e empresários durante a ditadura militar?
Por que o racismo contra o negro permanece como um tabu que não pode ser discutido? Qual a razão da escalada de intolerância contra os homossexuais? O que está por trás da epidemia de seitas autoritárias que se alimentam no mais primitivo e mercantilizado fundamentalismo religioso? Por que a justiça brasileira não funciona para o pobre? Quem se beneficia com a impunidade nos crimes de colarinho branco? É razoável uma sociedade que registra mais de 100 mil mortes violentas por ano – quase o dobro do número de americanos mortos na Guerra do Vietnam? Como deter a escalada da barbárie?
O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil? O Brasil não está mais submetido a pressões imperialistas? É uma Nação independente que controla o seu destino? Qual o balanço da atuação do Brasil no Haiti? Por que o Brasil não se pronuncia em relação ao pedido de asilo político de Snowden? Por que não protesta contra a arbitrária retenção de Assange no Reino Unido? Além de esperneio, o que foi feito para evitar a espionagem descarada do Estado norte-americano? Mudou alguma coisa?
A ordem global cumpriu a promessa de um mundo melhor? Vivemos numa “aldeia global” ou estamos imersos numa ordem econômica internacional baseada no “salve-se quem puder”? Existe alternativa à ordem neoliberal ou vivemos de fato o fim da história? Existem bases objetivas e subjetivas para sonhar com um retorno do Estado de Bem-Estar social? É realista imaginá-lo na periferia do sistema capitalista mundial?
É possível resolver qualquer um dos problemas fundamentais do Brasil sem transformações de grande envergadura que envolvem todas as dimensões da sociedade? É realista imaginar grandes mudanças sem luta de classes? Como enfrentar as forças políticas, internas e externas, comprometidas com a continuidade da dependência e do subdesenvolvimento? Qual a correlação de forças necessária para vencer as forças sociais e políticas comprometidas com a reprodução da segregação social e da dependência? Qual a aliança de classe capaz de construir tal correlação de forças? A democracia brasileira é permeável à emergência do povo na história? Existe a possibilidade de resolver os problemas fundamentais do povo sem questionar a ordem do capital?
Por que os problemas que levaram milhões de jovens às ruas em Junho de 2013 não foram incorporados ao debate eleitoral? A quem beneficia priorizar as exigências dos negócios e simplesmente ignorar a questão da igualdade substantiva? Quem ganha com o debate que parte da premissa de que é fundamental acatar as exigências do capital internacional e não lutar pela a autonomia nacional? Quem define o que deve ser discutido no espaço público? Por que os partidos contra a ordem – PSOL, PSTU e PCB – foram sistemática e institucionalmente estigmatizados e marginalizados do debate nacional? Por que a democratização da mídia, sob o controle de um punhado de famílias, não faz parte da discussão política brasileira? Os donos da comunicação estão acima da política? A quem interessa a perpetuação do analfabetismo político? O leitor pode acrescentar muitas outras questões.
Quando os problemas fundamentais da sociedade não podem ser debatidos, a política fica reduzida a um jogo de camuflagem de tenebrosas transações, desconstrução dos adversários, acusações lançadas ao léu, fofoca, vaidade, apelos emocionais, mesquinharia, prestidigitação e ilusionismo. No chafurdar da briga pelo poder do Estado, vale tudo, menos a crítica. Alienada, a população fica sem meios para discernir seus interesses estratégicos e a forma de alcançá-los.
Ao circunscrever o debate eleitoral a picuinhas, problemas técnicos e aspectos institucionais secundários, a plutocracia bloqueia a discussão sobre a conveniência de manter o status quo. Sem a possibilidade de questionar os parâmetros da ordem e discutir os problemas substantivos de quem vive do próprio trabalho, a eleição fica reduzida a uma única e exclusiva função: selecionar a camarilha que ficará encarregada de administrar os negócios da colônia no próximo período. Nessas circunstâncias, qualquer que seja o resultado, a plutocracia brasileira e a grande burguesia internacional são, de antemão, as grandes vencedoras das eleições de 2014.
Ausriß.
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A DITADURA DO GRANDE CAPITAL
A expectativa de que a eclosão de uma crise econômica geral abriria espaço para a superação do neoliberalismo frustrou-se. Os que esperavam a adoção de políticas anticíclicas de corte keynesiana ficaram a ver navios. As técnicas de intervenção na economia não foram utilizadas pelo poder público para evitar uma estagnação regressiva e prolongada e sim para proteger incondicionalmente o grande capital.
Ao dobrar as apostas no neoliberalismo, a “solução americana” despejou o ônus da crise nas costas dos elos fracos da sociedade, penalizando fortemente os trabalhadores e, muito particularmente, aqueles que vivem na periferia do capitalismo. Não por acaso, desde 2008 o mundo assiste atônito à escalada do desemprego, ao aumento explosivo da dívida pública, ao risco generalizado de crises de dívida externa, à exacerbação da concentração de renda, à expansão galopante dos fluxos migratórios. Mesmo considerando o horizonte da ordem, o sofrimento tem sido em vão, pois não se vislumbra luz no fim do túnel.
A subordinação da política econômica aos desideratos de corporações consideradas muito grandes para quebrar – “too big to fail” – e muito grande para serem reestruturadas – “too big to be reestructured” – bloqueia a digestão dos excedentes absolutos de capitais, o que impede a renovação do desenvolvimento capitalista à medida que desestimula a introdução de inovações. A força da riqueza velha na estrutura patrimonial dos grandes conglomerados globais consubstancia-se na imposição de uma lógica particularmente antisocial e perversa de administração da crise, cuja essência consiste em diluir no tempo a desvalorização dos excedentes de capitais condenados à destruição (financeiros e produtivos); transferir os ativos de pior qualidade – os “micos – para o Estado e para as frações mais débeis da burguesia; e aumentar a superexploração do trabalho.
Iludem-se os que ainda sonham com a possibilidade de uma contra-ofensiva inspirada em valores humanistas de uma burguesia progressista e sustentada por uma coalizão de empresários produtivos. A perspectiva keynesiana, baseada no suposto de um Estado nacional com poderes sobre o grande capital, é incapaz de compreender a natureza dos problemas que paralisam a economia mundial e a dimensão das mudanças necessárias para superá-los.
A presença de um suposto antagonismo entre acumulação financeira e acumulação produtiva, tão cara aos que defendem a repressão das finanças descontroladas, é uma interpretação fetichista da realidade. Os grandes blocos de capitais operam de maneira sincronizada nas duas esferas de valorização e suas estratégias de concorrência tornam-se incompreensíveis se isoladas uma da outra, uma vez que sem a combinação de poder econômico e financeiro é impossível sobreviver no mercado mundial. O braço de ferro que define os ganhadores e os perdedores na luta de vida e morte entre os grandes blocos de capitais se dá, em grande medida, no obscuro mundo das altas finanças, longe dos olhos plebeus.
A depressão dos investimentos não decorre da punção do lucro do capital industrial por capitais “parasitários” que se reproduzem no mercado financeiro. É a queda na taxa de lucro, provocada pela própria expansão ilimitada da produção, que paralisa a acumulação de capital e estimula a formação de processos especulativos na esfera da circulação. Ao revelar a existência de forças produtivas incapazes de sobreviver às novas condições da concorrência, ou seja, ameaçadas de violenta desvalorização, a queda na taxa de lucro explicita a presença de um excedente absoluto de capital sem condições de voltar à esfera produtiva para ampliar a extração de mais valia pela intensificação da produtividade do trabalho.
Nessas circunstâncias, a defesa patrimonialista da riqueza velha constitui um limite intransponível à emergência de riqueza nova, pois a sobrevivência de equipamentos anacrônicos pressupõe o congelamento de inovações radicais. Na impossibilidade de revolucionar a produtividade do trabalho, os excedentes são canalizados para a ciranda financeira, especulação mercantil e investimentos portadores de inovações de segunda ordem que dão uma sobrevida aos capitais ameaçados de desvalorização.
Antes de uma manifestação patológica que poderia ser corrigida pela vontade política de coibir a especulação e estimular à demanda agregada, a primazia dos interesses de uma aristocracia capitalista encastelada no mercado financeiro reflete o impasse gerado pela presença de grandes massas de capitais condenados à liquidação que relutam em deixar a cena. Reflexo da potência do grande capital, a hipertrofia da esfera financeira é efeito e não causa das contradições que comprometem a acumulação de capital.
Na etapa superior do capitalismo monopolista, as transições provocadas pelas crises econômicas são particularmente complexas e difíceis. A subordinação do ritmo e intensidade da digestão do excedente absoluto de capital à lei do mais forte implica processos de concentração e centralização de propriedade, baseados na concorrência por estrangulamento financeiro e tecnológico, que demandam operações econômicas, mercantis e financeiras que se desdobram em movimentos de longa duração. Os problemas práticos colocados pela necessidade de expropriar blocos de capitais realmente gigantescos tornam extraordinariamente lenta a temporalidade que rege a recomposição das forças produtivas, estrutura orgânica do capital e relação capital-trabalho. Daí a morosidade do processo de reconstituição das condições de exploração do trabalho que permitem a retomada do desenvolvimento capitalista.
A capacidade demonstrada pelo grande capital de encaminhar uma “solução” para a crise que provoca graves e duradouros sacrifícios na população não pode ser desvinculada de seu poder absoluto de definir a pauta, a agenda e o contexto do debate público. No capitalismo contemporâneo, a liberdade de pensamento confunde-se com liberdade de manipulação da opinião pública assim como a liberdade de imprensa se confunde com a liberdade de fazer o que for necessário para manter a população na ignorância. Na ausência de um autêntico debate público, o regime democrático torna-se um embuste e o poder do Estado, uma ditadura que mal disfarça seu caráter totalitário.
O monopólio da informação e a estigmatização da crítica permitem que os interesses particulares do grande capital sejam tomados como os interesses gerais da sociedade. Técnicas agressivas e sofisticadas de manipulação são mobilizadas para ocultar as contradições e naturalizar visões parciais e distorcidas da realidade. Tudo o que não se enquadra nos interesses estritos das grandes corporações é condenado e desqualificado. Sem a possibilidade do contraditório, a repetição ad nauseam da vulgata neoliberal torna-se uma lavagem cerebral.
O poder ilimitado do grande capital sobre a opinião pública fica patente quando se observa a facilidade com que as grandes democracias do ocidente impuseram a seus próprios eleitores a socialização dos prejuízos como norma de política econômica.
Às vésperas da eclosão da quebra espetacular em outubro de 2008, enquanto a economia mundial se aproximava do abismo, os grandes meios de comunicação consagraram a tese da “Grande Moderação”, segundo a qual o mundo tinha finalmente entrado numa era de estabilidade que afastava qualquer possibilidade de crise. As vozes críticas que advertiam para a marcha insensata dos acontecimentos, referendadas por crescentes evidências de que as bases que alimentavam a euforia dos mercados eram insustentáveis, foram completamente desprezadas. Com isso, não houve moderação alguma na especulação desenfreada que culminou na maior crise econômica e financeira da história do capitalismo.
No momento agudo da crise, quando tudo que parecia sólido se desmanchava no ar, o grande capital emplacou a agenda do resgate incondicional das grandes corporações. Em total contradição com a doutrina do laissez faire, da noite para o dia, a opinião pública foi comunicada de que o poder público não poderia poupar recursos para salvar as grandes instituições. E assim, a pretexto de evitar uma crise sistêmica de proporções cataclísmica, os recursos alegadamente inexistentes para as políticas públicas abundaram para regar as operações emergenciais de resgate. Calcula-se que até 2010 os governos dos países desenvolvidos transferiram, financiados pela expansão da dívida pública, algo em torno de U$ 20 trilhões para socorrer as grandes corporações, o equivalente a dois terços do PIB anual do G7.
Após 2010, passado o risco iminente de colapso, o grande capital cristalizou o senso comum de que havia chegado o momento de a sociedade pagar pelos excessos do Estado. Sem esclarecer que o “regime de austeridade” supõe estagnação econômica de longa duração, ofensiva sistemática sobre os direitos dos trabalhadores e esvaziamento da soberania dos Estados nacionais, a disciplina do desemprego, a austeridade nas contas públicas e o aprofundamento do processo de liberalização – os três vetores que compõem os pilares do receituário ortodoxo – passaram a ser enaltecidos como panaceia para os problemas da economia mundial.
Nas circunstâncias do capitalismo na sua fase totalitária, não há solução rápida e indolor para as contradições que comprometem o processo de valorização. Nas regiões periféricas, o poder do grande capital manifesta-se com força dobrada. À mercê das vicissitudes do movimento da crise, regidos ora pelos imperativos dos ciclos especulativos ora pelas exigências dos ajustes estruturais, as economias dependentes ficam sujeitas a condicionantes externos que extrapolam, largamente, a sua soberania nacional.
É dentro desse contexto histórico-estrutural que se deve examinar o raio de manobra da sociedade brasileira para enfrentar a crise. A verdade crua é que sem rupturas qualitativas de grande envergadura que coloquem em questão o próprio regime burguês, é impossível evitar a lenta digestão da crise e seus efeitos desastrosos sobre todas as regiões do globo e, de maneira mais intensa e bárbara, sobre as sociedades ameaçadas de reversão neocolonial.
Plínio de Arruda Sampaio Jr, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – IE/UNICAMP. Artigo preparado para o CORECON/RJ em fevereiro de 2016.
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“Brasilien geht wegen US-Ausspionierung vor die UNO”. Ausriß.
Angeli-Karikatur in der auflagenstärksten Qualitätszeitung Brasiliens, “Folha de Sao Paulo” – Ausriß.
http://rt.com/news/us-spied-brazil-oil-588/
“Ein Auge auf Syrien, das andere auf unsere E-Mails.” http://www.hart-brasilientexte.de/2013/09/05/syrienkrieg-killing-poor-people-is-patriotic-groste-brasilianische-qualitatszeitung-mit-kerry-grosfoto-auf-der-titelseite-vietnamkrieg-irakkrieg-libyenkrieg/
Metástase da corrupção e eleição da hipocrisia
Na ausência de diferenças substanciais, o debate do 2º turno das eleições presidenciais tem sido dominado pelo esforço mútuo de desconstruir a idoneidade do adversário. As acusações recíprocas de malversação de dinheiro público e de aparelhamento do Estado não têm fim. A cada ataque corresponde um contra-ataque. O “mensalão” petista é rebatido com o “mensalão” tucano. O “propinoduto” da Petrobrás, com o generoso “trem da alegria” da Alstom. É cara e coroa.
Os candidatos defendem-se de maneira conhecida. Negam peremptoriamente qualquer malfeito e juram ir até as últimas consequências para apurar os fatos, definir as responsabilidades e punir os culpados, doe a quem doer. Até as pedras sabem que nada será feito. Os denunciados são homens-bomba. Se abrirem a boca, a casa cai.
O próprio conteúdo do debate revela a cumplicidade dos candidatos com o sistema da corrupção. Ao personalizar e particularizar os escândalos, associando-os a desvios de conduta individuais, lacunas na legislação e falhas nos procedimentos de fiscalização, o discurso sugere que a pilhagem do Estado decorre de problemas que poderiam ser corrigidas caso houvesse vontade política. Enquanto falam, Dilma e Aécio sabem que mentem. Não existe um chefe político brasileiro que não tenha à sua sombra a figura sinistra e misteriosa do “operador” responsável pelas finanças da campanha. Nas altas esferas do poder, o homem do dinheiro é conhecido e goza de grande prestígio entre os pares.
Travestida de guardiã dos interesses gerais da população e defensora da moralidade, a mídia é parte orgânica do sistema de corrupção. Sem um sistema venal e degradado de formação da opinião pública não haveria corrupção generalizada como modo de funcionamento do sistema político, pois não haveria como circular (ou deixar de circular), no momento conveniente, as denúncias, dossiês, intrigas, insinuações, ameaças e chantagens que constituem a munição pesada da guerra entre as camarilhas que disputam o poder do Estado.
A luz intensa lançada sobre os escândalos de corrupção não tem a finalidade de elucidar o problema, mas, antes o contrário, objetiva desviar a atenção para aspectos secundários e personagens de menor relevância, a fim de ofuscar as relações que explicitam as engrenagens que subordinam os homens de Estado à lógica dos grandes e pequenos negócios. Ventríloqua de interesses escusos que permanecem sempre na penumbra, a grande mídia manipula a opinião pública com informações parciais, distorcidas e descontínuas, gerando uma visão apocalíptica e moralista do problema. Ao reduzir as causas do assalto aos cofres públicos à fraqueza de caráter, a corrupção é naturalizada. A imprensa marrom – quase a totalidade de nossa imprensa – esbalda-se e transforma a indústria da chantagem num grande negócio. “Se ninguém tem compostura, então, nos locupletamos todos” – uma moral que calha bem com a degeneração da res pública.
Se houvesse realmente vontade política de enfrentar a corrupção seria preciso mostrar à população seu caráter sistêmico e desnudar os interesses de classe que lhe dão sustentação. Para tanto, bastaria não desperdiçar as raras oportunidades abertas pelos homens bombas que quebram o pacto de silêncio e expor à população a fisiologia que rege o aparelho digestivo do sistema político brasileiro.
A propósito, os depoimentos recentes do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e do doleiro Alberto Youssef são pérolas que deveriam ser bem aproveitadas. Seus testemunhos ao Ministério Público expõem com requintes de detalhes como funcionava e quem comandava o esquema de desvio de recursos na Petrobras. As primeiras lições são reveladoras:
O debate eleitoral da corrupção não pode ser levado às últimas consequências porque a população não pode saber que a corrupção é um pressuposto do sistema representativo, pois a promiscuidade entre o público e o privado – seu determinante histórico – é uma das pedras angulares da organização do Estado brasileiro.
Correio – 20/10/2014
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Eleição 2014: não há o que comemorar
Para quem está comprometido com a luta social e aspira a uma sociedade baseada na igualdade substantiva, a derrota de Aécio foi um alívio, dos males, o menor, mas a vitória de Dilma não deixa nada a comemorar.
O saldo da campanha é tenebroso. Contratados a peso de ouro para manipular a opinião pública, marqueteiros venderam candidatos como mercadorias. Para diferenciar seus produtos, abusaram da ingenuidade da população. Magos da pirotecnia midiática, reduziram o eleitor a consumidor, criando expectativas que não se realizarão. Para desconstruir os adversários, exploraram medos que alimentam falsos antagonismos e envenenam o ambiente político.
Na falta de substância política, a eleição foi transformada numa briga de torcida. Em clima de caça às bruxas, as paixões foram levadas a um paroxismo descabido. O apelo à emoção foi proporcional ao descaso pela razão. A virulência das agressões mútuas foi em razão inversa às reais diferenças entre os contendores.
O eleitor foi sistematicamente ludibriado. As divergências existentes entre as duas alas do Partido da Ordem são secundárias e circunstanciais. Os que hoje estão com o PT – Sarney, Maluf, Collor, Kátia Abreu – estavam ontem com FHC e Collor e anteontem serviam a ditadura militar. Amanhã podem perfeitamente debandar para o PSDB. À exceção de alguns extremados, os que mandam de fato – o capital internacional e a plutocracia nacional – estão muito bem servidos nas duas candidaturas. Basta ver o rio de dinheiro investido em ambas.
A completa desconexão do debate eleitoral com a realidade transformou o país num manicômio. Surpreendido pelo antagonismo entre petistas e tucanos, um desavisado que desembarcasse de paraquedas poderia até imaginar que o Brasil vive uma situação pré-revolucionária, quando, na verdade, o que está em questão é exatamente a conservação do status quo. A eleição foi apenas para escolher quem comandará a reciclagem do capitalismo liberal implantado por Collor 25 anos atrás. Nada mais.
O clima apocalíptico que tomou conta do segundo turno é despropositado e faz lembrar as legendárias guerras entre as famílias Sampaio e Alencar pelo controle da prefeitura de Exu no século passado. Para os que se alinhavam com o clã Sampaio, a vitória de um Alencar poderia, de fato, ter consequência real (e vice-versa), mas, para os que não faziam parte da corriola e estavam condenados a ralar para sobreviver, o resultado era indiferente. As famílias alternaram-se no poder durante décadas no poder sem que a miséria se modificasse.
Deliram os que imaginam que o país está na iminência de uma ruptura institucional. Não há movimentação golpista alguma, nem à direita nem à esquerda. A única conspiração em curso é aquele que une as duas facções do Partido da Ordem contra o povo, patente na cumplicidade de ambas com a política de contra-insurgência preventiva para conter o conflito social e na irmandade na hora de arquitetar tenebrosas transações.
A briga de foice é um teatro e faz parte do jogo eleitoral. Quando é conveniente, o antagonismo é imediatamente suspenso. Quem se esquece da idílica cena de Haddad e Alkmin, descontraídos num requintado restaurante de Paris, em junho de 2013, poucos meses depois de terem trocado cobras e lagartos na renhida disputa pela prefeitura de São Paulo? Enquanto o pau comia solto nas ruas de São Paulo tomadas por jovens trabalhadores que lutavam contra o aumento das tarifas de transporte público, prefeito e governador estavam perfeitamente entrosados na política de repressão aos protestos e na estratégia de negociação com os cangsters que controlam os megaeventos internacionais.
Destituída de substância, a polarização entre as duas alas do Partido da Ordem só serviu para degradar o ambiente político. O brasileiro sai da campanha mais descrente nos políticos e sem nenhuma consciência sobre as causas de seus problemas e suas possíveis soluções.
Ninguém pode banhar-se duas vezes na mesma água do rio. O segundo governo Dilma não será uma repetição do primeiro. Pela força das circunstâncias, será mais conservador e truculento. As condições objetivas e subjetivas que o determinam deterioram-se, estreitando sensivelmente o raio de manobra para acomodar, através da expansão do emprego, do aumento dos beneficiários das políticas compensatórias e da cooptação dos movimentos sociais, as mazelas de uma modernização canhestra, que aprofunda a dependência e o subdesenvolvimento.
Na economia o cenário é sombrio. Os problemas acumulados na farra de consumo de bens conspícuos impulsionada pela especulação internacional têm consequências. O aumento da dependência externa deixa a economia brasileira à mercê dos humores do mercado internacional. O agravamento da crise mundial, que entra no seu sétimo ano sem perspectiva de solução, não abre espaço para o crescimento. A ameaça de movimento de fuga de capitais sujeita o país ao xeque-mate da dívida externa. Nesse contexto, as pressões da grande burguesia globalizada para que o Brasil realize uma nova rodada de ajustes liberais empurra a política econômica para a absoluta ortodoxia. As veleidades neodesenvolvimentistas são coisas do passado. O próximo Ministro da Fazenda será escolhido diretamente pelo mercado e estará mais próximo de Armínio Fraga do que de Guido Mantega.
No âmbito da sociedade, a perspectiva é de crescente convulsão. A modernização mimética que copia os estilos de vida e padrões de consumo das economias centrais agrava os problemas fundamentais do povo. A frustração generalizada com um cotidiano infernal acirra os ânimos e polariza a luta de classes. Sem vislumbrar saída para o circuito fechado que transforma a vida do trabalhador num pesadelo sem fim – na fábrica e fora dela -, o brasileiro torna-se um barril de pólvora prestes a explodir. O aumento da violência e o fim da paz social prenunciam um futuro de grandes tensões e crescente turbulência social.
Nas altas esferas da política, a classe dominante afia as garras para enfrentar o conflito social. A crise do sistema representativo reforça o consenso a favor de soluções repressivas para a inquietação social, aumentando a pressão a favor da criminalização da contestação social como pressuposto da estabilidade democrática. O giro conservador da opinião pública, o aumento assustador da bancada de deputados da direita mais desqualificada e a mobilização de uma classe média histérica deslocam o status quo sensivelmente para a direita. Contestado pela juventude que foi às ruas protestar contra os desmandos dos governantes, o sistema democrático brasileiro assume descaradamente seu caráter de classe e se afirma abertamente como uma democracia de segregação social. A liberdade política é privilégio exclusivo da plutocracia e se manifesta concretamente na possibilidade de escolha entre alternativas integralmente comprometidas com os parâmetros da ordem.
A presidente retoma seu posto no Planalto em frangalhos. Antes mesmo de assumir o segundo mandato, sua credibilidade já se encontra comprometida pela gravidade das denuncias que apontam a cumplicidade direta do Planalto com esquemas de corrupção arquitetados pela alta cúpula dos partidos da base aliada. Desta feita, não haverá um período de lua de mel. Ávida para voltar ao governo federal depois da quarta derrota consecutiva, a oposição não dará trégua. Sem arsenal ideológico e programático para diferenciar-se qualitativamente do governo petista, só lhe resta sangrar Dilma do primeiro ao último dia de seu mandato.
Ninguém passa impune pelo pacto com o diabo. Sem capacidade de mobilizar a população e prisioneira de compromissos espúrios, Dilma ficará nas mãos da máfia que, a mando dos negócios, controla o Congresso Nacional. Vítima da própria covardia, que não lhe permitiu enfrentar a tirania dos magnatas da informação, será objeto diário da chantagem da grande mídia. Sem meios para defender-se, tornar-se-á ainda mais dócil às exigências do capital. Se ousar desafiá-lo, será imediatamente confrontada com o espectro do “impeachment” democrático. É o modo de funcionamento das democracias burguesas contemporâneas na periferia latino-americana do capitalismo.
Para quem se ilude com a possibilidade de uma tardia redenção do PT, a ressaca da festa democrática será monumental. A juventude romântica e os homens de boa fé seduzidos pelo canto de sereia do “coração valente” logo perceberão que foram logrados e sentirão na pele a ingratidão da presidente. Assim que a população for às ruas para protestar contra os descalabros do capitalismo selvagem, as disputas fratricidas entre as facções do Partido da Ordem serão suspensas. Como irmãos siameses, as duas alas do Partido da Ordem estarão monoliticamente unificadas, armadas até os dentes, para reprimir os manifestantes com brutalidade, como se fossem inimigos internos que devem ser aniquilados, como aconteceu em Junho de 2013, nas jornadas da Copa de 2014 e toda vez que o povo se levanta contra os privilégios dos ricos. Passado o risco iminente de descontrole social, as duas facções voltarão a engalfinhar-se pela disputa controle do Estado.
A falsa polarização entre a esquerda e a direita da ordem somente será superada quando a os trabalhadores não tiverem qualquer ilusão em relação à possibilidade de que o capitalismo possa ser domesticado, seja pelo PT seja por quem quer que seja. O capitalismo dependente vive da superexploração do trabalho e tem na perpetuação de um grande estoque de pobreza um de seus pressupostos. A situação torna-se ainda mais grave quando a sociedade enfrenta um processo de reversão neocolonial que solapa a capacidade de o Estado fazer políticas públicas.
Do show de horror da eleição de 2014, sobra uma lição: para sair do antro estreito das escolhas binárias entre o ruim e o pior, é preciso que a esquerda socialista se unifique e entre em cena.
Correio – 26/10/2014
No meio do redemoinho
Uma década de hegemonia política inconteste e seis anos de crescimento, quatro dos quais em plena crise da economia mundial, alimentaram o senso comum de que os governos Lula e Dilma teriam inaugurado um longo período de prosperidade e estabilidade. Economistas deslumbrados com as façanhas do neodesenvolvimentismo chegaram a propalar a superação do subdesenvolvimento e o início de um longo período de desenvolvimento autossustentado.[1] Cientistas sociais entusiasmados com a força da coalizão liderada pelo PT junto às classes subalternas anunciaram a consolidação do Lulismo como um fenômeno sociológico de inequívoco caráter progressista que teria vindo para ficar.[2]
Bastou o crescimento arrefecer para que as graves contradições de uma modernização mimética, incapaz de atender às necessidades fundamentais da população, viessem à tona. A posição subalterna na ordem global expôs a extraordinária vulnerabilidade da vida nacional a crises econômicas de proporções cataclísmicas. A perpetuação de desigualdades extremas, típicas de regimes de classe baseados na segregação social, alimentou antagonismos irredutíveis.
A inflexão da conjuntura internacional, caracterizada pela forte elevação dos preços das commodities no mercado internacional e pelo grande afluxo de capitais internacionais, desarticulou as premissas do padrão de acumulação de capital responsável pela relativa prosperidade da era Lula. O agravamento da crise econômica mundial, sobretudo a contração da economia chinesa, e a perspectiva de aumento dos juros norte-americanos deixaram a economia brasileira à deriva. Expostos à fúria da concorrência global e aos vendavais da especulação internacional, o sistema industrial e os centros internos de decisão desarticularam-se num processo nefasto de reversão neocolonial.
Impotente para enfrentar as dificuldades de uma conjuntura internacional adversa, a sociedade brasileira ficou sujeita à lógica draconiana do ajuste neoliberal, cuja essência consiste em socializar o ônus da crise pelo conjunto da população e aproveitar a situação para abrir novas oportunidades de negócios para o grande capital. No curto prazo, o ajuste implica queima de reservas internacionais a fim de não comprometer os compromissos decorrentes do passivo externo; reforço da transferência de fundos públicos para alimentar os capitais rentistas ancorados na dívida pública; privatização do patrimônio público e dos serviços públicos sujeitos à mercantilização, a fim de saciar a sanha de negócios dos capitais excedentes sem perspectiva de investimento na ampliação da capacidade produtiva; e compensação da redução na taxa de lucro das empresas pela superexploração do trabalho. No longo prazo, o objetivo do ajuste é adequar a economia às novas tendências da divisão internacional do trabalho; adaptar a sociedade e as instituições nacionais às novas exigências do capital internacional; e ajustar o nível tradicional de vida dos trabalhadores aos novos imperativos da exploração capitalista.
Ao contrário do que sugere o Ministro da Fazenda – por ignorância ou má fé -, a gravidade dos problemas que paralisam a economia brasileira não permite imaginar uma rápida retomada do crescimento.
Sem mecanismos endógenos capazes de abrir novas frentes de investimento, a expansão econômica depende da superação da crise mundial – que entra em seu nono ano sem perspectiva de solução. Sem desvalorizar o imenso passivo externo acumulado na última década, o equilíbrio das contas externas requer uma gigantesca transferência de recursos reais ao exterior e uma continua entrada de capitais internacionais – o que supõe contração do mercado interno e crescente aumento dos juros para compensar a deterioração do chamado “risco Brasil”. Sem ampliação dos investimentos e elevação da produtividade, a rentabilidade das empresas torna-se diretamente proporcional ao arrocho salarial e à desoneração (ou simples sonegação) tributária.
Por fim, sem desvalorizar a dívida interna, cuja expansão foi condicionada pela ciranda financeira vinculada à entrada de capitais internacionais especulativos, o orçamento público fica submetido a um ajuste fiscal permanente. Ao priorizar os interesses dos capitais rentistas em detrimento das necessidades básicas da população, a Lei de Responsabilidade Fiscal transforma os gastos com investimento e serviços públicos em variável de “equilíbrio” do orçamento público. A expansão endógena da dívida interna, provocada pela capitalização de juros reais estratosféricos, e os efeitos negativos da austeridade fiscal sobre a demanda agregada e, em consequência sobre a arrecadação tributária, tornam o ajuste fiscal num verdadeiro trabalho de Sísifo.
O discurso segundo o qual o ajuste neoliberal é um sacrifício necessário para o restabelecimento das condições que permitem a retomada do crescimento é um embuste. A recomposição do padrão de acumulação depende de condicionantes externos e internos que extrapolam amplamente o âmbito das medidas macroeconômicas destinadas a “sanear” os mercados e estimular a livre iniciativa. No elo fraco do sistema capitalista mundial, as transições de um ciclo expansivo para outro exigem longas e penosas travessias. Na era da globalização, em que se observa uma crise estrutural do capital que acirra a instabilidade econômica, esse processo torna-se particularmente antissocial e antinacional.
O caráter desigual do desenvolvimento capitalista faz com que o movimento da economia brasileira seja sobredeterminado pelas estruturas e dinamismos que se propagam dos polos avançados do capitalismo. Nesse contexto, enquanto o país permanecer marginalizado das ondas de transformação em curso nas economias centrais é inviável a pronta retomada do crescimento. As mudanças nas forças produtivas, provocadas pela “revolução algorítmica”, e a natureza ultraelitista do processo de reorganização da ordem econômica internacional – a “integração profunda” liderada pelos Estados Unidos – relegam o Brasil a uma posição ainda mais periférica na divisão internacional do trabalho, deixando-o cada vez mais distante dos circuitos dinâmicos que condicionam a nova rodada de integração do sistema capitalista mundial.
Ainda que a economia mundial se recuperasse e o Brasil viesse a ser reintegrado às correntes dinâmicas do desenvolvimento capitalista em escala global, é difícil imaginar uma solução célere para a crise nacional. Como as estruturas difundidas a partir do centro não podem ser pura e simplesmente transplantadas para a periferia, pois precisam ser reconstruídas internamente e combinadas com estruturas anacrônicas que resistem à força do tempo, a recomposição do padrão de acumulação baseado na modernização do arcaico e na arcaização do moderno depende de decisões políticas complexas. A dimensão das dificuldades enfrentadas pelas burguesias que precisam reciclar o desenvolvimento induzido de fora para dentro fica patente quando se leva em consideração que tal reciclagem exige a redefinição de uma série de questões altamente complexas, tais como: a) os mecanismos de satelização da economia brasileira na economia mundial; b) a institucionalidade capaz de evitar guerras fratricidas entre as burguesias vinculadas a atividades ultramodernas, modernas, atrasadas e arcaicas; c) o padrão de intervenção do Estado na economia capaz de dar um mínimo de coerência ao novo regime de acumulação; d) o caráter da relação capital-trabalho adequado às novas exigências do capital na periferia; e) as políticas preventivas e repressivas necessárias para disciplinar as classes subalternas e garantir aos conglomerados multinacionais que eles não correm riscos excessivos no Brasil.
Ao solapar as bases da “paz social”, a crise do padrão de acumulação acirrou a luta de classes. A gravidade da situação política fica caracterizada pelo abismo que separa, de um lado, as forças que se levantam, de baixo para cima, exigindo “reformas democráticas” e respeito à soberania nacional; e, de outro, as forças conservadoras que se mobilizam, de cima para baixo, para exigir “ordem e progresso”. As primeiras, presentes nas revoltas urbanas contra o descalabro das políticas públicas em junho de 2013, nas manifestações contra a Copa, nas greves por melhores salários e condições de trabalho, na luta dos estudantes e professores em defesa da educação pública, nas manifestações dos movimentos sociais por uma inversão na prioridade das políticas públicas nas cidades e no campo, nas vigílias em defesa de Amarildo e contra a violência policial. As segundas, presentes nas manifestações orquestradas pelos grandes meios de comunicação em março de 2015 em repúdio ao tímido “melhorismo” petista. A guerra pelo controle do aparelho de Estado entre as principais facções do partido da ordem – PT, PMDB e PSDB – é um elemento adicional de conturbação que compromete a unidade política da burguesia num momento de decisões cruciais.
As crises econômicas e políticas reforçam-se mutuamente. A ofensiva do capital sobre o trabalho e os ataques sistemáticos contra as políticas públicas e a soberania nacional afastam qualquer possibilidade de restauração da “paz social”, colocando na ordem do dia a necessidade de uma profunda redefinição do padrão de dominação. A crise do padrão de dominação imobiliza o Estado e impede o encaminhamento das decisões necessárias para a recomposição das bases objetivas e subjetivas do desenvolvimento dependente.
O fim da letargia social polariza a luta de classes entre revolução e contrarrevolução. Sufocada pela ditadura militar em 1964, sabotada pelo aborto da campanha das “diretas já” em 1984, derrotada em 1989 pela vitória do projeto de modernização neoliberal, frustrada pela adesão do PT aos parâmetros da ordem global em 2002, a revolução democrática volta a emergir como necessidade histórica premente. O “medo pânico” de que as energias tectônicas que impelem a emergência do povo possam aflorar à superfície leva a burguesia a rever os termos da democracia restrita que caracteriza seu padrão histórico de dominação. A autocracia burguesa precisa inventar novos mecanismos de contenção da história.
A estagnação da economia em 2012, a escalada dos conflitos sociais a partir de junho de 2013, o acirramento da guerra fratricida entre as diferentes facções do partido da ordem nas eleições de 2014, o fim da impostura do PT como representante dos interesses da classe trabalhadora e a absoluta desmoralização de Dilma como liderança política em 2015 são sintomas inequívocos de que a sociedade brasileira vive uma crise de grande envergadura. A digestão das contradições acumuladas pelo ciclo de modernização impulsionado pela inserção subalterna da economia brasileira no circuito especulativo da economia global e as dificuldades para recompor o padrão de acumulação e dominação fazem vislumbrar um longo período de forte instabilidade econômica, crescente conflito social e grande turbulência política.
Plínio de Arruda Sampaio Jr., é professor livre-docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – IE/UNICAMP – e membro do Conselho Editorial do Correio da Cidadania. Abril, 2015.
[1] A versão mais caricata da apologia ao neodesenvolvimentismo encontra-se na tese de doutoramento de Aloizio Mercadante, “As bases do novo desenvolvimentismo: análise do governo Lula”, Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – IE/UNICAMP, 2010.
[2] As bases sociais e as implicações do lulismo foram examinadas por André Singer no artigo: “Raízes sociais e ideológicas do lulismo”. Novos Estudos CEBRAP, n. 85, nov. 2009.
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O fim da impostura
A decisão do Partido dos Trabalhadores de sancionar os fundamentos do Plano Real – sacramentada na famigerada Carta aos Brasileiros de 2002 – comprometeu os mandatos de Lula e Dilma com a inserção subalterna na ordem global e a reprodução das mazelas do capitalismo dependente. Ao renunciar a qualquer iniciativa que pudesse desafiar o capital internacional e ameaçar os privilégios aberrantes da plutocracia brasileira, Lula e Dilma tornaram-se instrumentos do status quo, definitivamente afastados do campo político dos que se batem contra a exploração dos trabalhadores.
Mantendo a economia brasileira exposta à fúria da concorrência global e aos vendavais dos fluxos especulativos de capitais internacionais, os governos petistas revigoraram o padrão de acumulação de riqueza baseado na integração subalterna aos circuitos mercantis e financeiros que impulsionam a expansão do mercado mundial e a reprodução ampliada de capital em escala global. A lógica dos grandes negócios aprofundou a desarticulação do sistema econômico nacional. A desindustrialização e a perda de controle sobre os centros internos de decisão, patentes no desmonte da indústria de transformação e na absoluta falta de controle sobre os fluxos de capitais internacionais, comprometeram a capacidade do Estado brasileiro de defender a economia popular e preservar os interesses estratégicos da Nação.
Colocando-se no espectro esquerdo do status quo, os governos do PT desdobraram-se para conciliar as exigências do grande capital com as medidas assistencialistas e compensatórias destinadas a mitigar o sofrimento do povo e preservar a “paz social”. Sem romper com os parâmetros da ordem, o raio de manobra da política econômica ficou limitado à opção pelo mal menor:
Enquanto a economia cresceu caráter antinacional e antissocial da administração de Lula e Dilma ficou camuflado. As contradições de uma modernização mimética que reproduz o subdesenvolvimento permaneceram em estado latente. A sensação de melhoria nas condições de vida gerada pela ampliação do emprego e pelo acesso da população carente às franjas inferiores do mercado de bens de consumo conspícuos, educação superior e habitação alimentou o sentimento de que os problemas fundamentais do povo estavam sendo paulatinamente incorporados às prioridades do Estado.
O fim do efêmero e instável espasmo de crescimento que impulsionou a economia brasileira entre 2004 e 2011, determinado fundamentalmente pelo ciclo especulativo que elevou os preços das commodities e incentivou um gigantesco afluxo de capitais para os chamados mercados emergentes, revelaria as frágeis bases do “melhorismo” petista. A inflexão na conjuntura internacional deixou o país à deriva. Do dia para a noite, o sentimento de que o Brasil havia encontrado o seu futuro deu lugar à apreensão em relação à impotência para enfrentar a crise.
As incertezas em relação às novas frentes de expansão da economia brasileira deprimiram as expectativas dos empresários. O sobreendividamento comprometeu a capacidade de consumo das famílias. A Lei de Responsabilidade Fiscal vetou qualquer possibilidade de utilizar o gasto público como política anticíclica. A incapacidade de competir com os produtos importados acentuou as tendências recessivas.
A expectativa de elevação da taxa de juros norte-americana, provocada pelo anúncio do fim da política de estímulo monetário, colocou a ameaça de estrangulamento cambial no horizonte do Brasil. Preso à armadilha da especulação financeira em escala global, o governo Dilma foi obrigado a elevar os juros a níveis estratosféricos e queimar reservas internacionais a fim de dissuadir a fuga de capital e evitar uma desvalorização selvagem da moeda.
O desperdício de recursos públicos em projetos faraônicos e antissociais para beneficiar empreiteiras, mineradoras e agronegócio, os gastos monumentais com a Copa do Mundo e as Olimpíadas, que turbinaram a especulação imobiliária nas grandes cidades, a escalada da corrupção para financiar os partidos da base aliada, que tem nas operações Lava Jato e Zelotes seus exemplos mais escandalosos, e, sobretudo, as despesas amazônicas com pagamento de juros e amortização da dívida pública, que consumiram aproximadamente 45% de todo o orçamento federal, impediram que o dinheiro público fosse utilizado para desenvolver a infraestrutura econômica e enfrentar os graves problemas sociais do país.
A subordinação da administração da dívida pública à política de metas inflacionárias criou uma armadilha institucional que deixou o Brasil completamente refém dos humores do mercado. Ao vincular o aumento de reservas internacionais à expansão de títulos públicos, o passivo externo e a dívida pública entrelaçaram-se inextrincavelmente, aprofundando a vulnerabilidade da economia brasileira às vicissitudes do capital internacional. Nesse contexto, a entrada maciça de capitais estrangeiros, incentivados pela especulação em “carry trade”, funcionaria como uma bomba relógio de grande impacto destrutivo, pois, quando os fluxos de capitais invertessem o caminho, realizando os gigantescos lucros obtidos na ciranda financeira, o Brasil ficaria sujeito a uma crise cataclísmica, combinando estrangulamento cambial draconiano e desequilíbrio agudo das finanças públicas. O adiamento da elevação dos juros dos Estados Unidos protelou o estouro da boiada, mas não desanuviou a percepção generalizada de que a tormenta se aproxima.
Entre 2012 e 2014, tudo que parecia sólido começou a se desmanchar. A euforia “neodesenvolvimentista” de que o Brasil havia superado o subdesenvolvimento e estaria em vias de se tornar uma potência emergente foi substituída pela percepção de que a sociedade brasileira voltaria a viver sob a ameaça de descontrole inflacionário, estagnação econômica, desemprego aberto, estrangulamento cambial e desorganização das finanças públicas. Sem ter resolvido nenhum dos problemas fundamentais do povo, os doze anos de “melhorismo” petista terminaram sob o espectro de uma nova ofensiva sobre o trabalho e as políticas públicas.
Ao referendar a agenda do grande capital, sancionando o consenso conservador de que a crise deveria ser enfrentada com um convencional ajuste neoliberal, Dilma comprometeu seu segundo mandato com políticas aberta e inequivocamente regressivas e antinacionais. A expectativa de que seria possível combinar um “ajuste” preventivo com a preservação da “paz social” transformou a candidata do PT na campeã inconteste de arrecadação de dinheiro junto às grandes empresas. A demagogia do “coração valente” como símbolo de um compromisso histórico com os valores de esquerda era puro engodo.
O receituário ortodoxo é conhecido e seus efeitos também. Para viabilizar a transferência de recursos ao exterior decorrente do aumento dos compromissos relacionados com a expansão do passivo externo, o Brasil terá de aumentar os superávits comerciais. A fim de honrar as obrigações com os credores do Estado, o esforço de geração de superávits fiscais terá de ser redobrado. Para saciar a sanha dos capitais em busca de grandes negócios, o Estado terá de promover novas rodadas de privatização e desregulamentação da economia. A fim de elevar a rentabilidade dos capitais e a competitividade internacional, os salários serão rebaixados, as leis trabalhistas “flexibilizadas”, a política social sacrificada e a tributação das empresas reduzida. Em todas as frentes, o “ajuste” supõe a socialização do ônus da crise, penalizando os segmentos mais débeis da economia e da sociedade; o aprofundamento do processo de liberalização, favorecendo formas parasitárias e predatórias de acumulação de riqueza; e o rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores.
Ao subordinar as condições de vida dos trabalhadores às exigências do capital em tempos de crise, o governo do PT tirou a máscara e revelou seu verdadeiro papel como agente dissimulado da burguesia. A imagem de políticos corruptos em situação vexatória por terem urdido tenebrosas transações para beneficiar empresas poderosíssimas, posando – de punhos cerrados – como heróis mal-compreendidos do povo brasileiro, é a metáfora perfeita do novo PT. A nomeação de Levy para cuidar dos grandes negócios e a indicação de Temer para arbitrar a guerra entre Eduardo Cunha e Renan Calheiros pelo controle dos pequenos negócios colocaram à nu, de uma vez por todas, a impostura de Dilma e Lula como defensores dos pobres e oprimidos.
Plínio de Arruda Sampaio Jr., professor do Instituto de Economia da UNICAMP e membro do Conselho Editorial do Correio da Cidadania. Abril de 2015.
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Na ante-sala de uma previsível crise cambial
A maxidesvalorização do Real expõe a elevada vulnerabilidade da economia brasileira aos humores do capital internacional. Antes de representar uma mudança de preço relativo que abre espaço para a recomposição do sistema econômico nacional, abalado pela crise terminal da industrialização, a depreciação do Real anuncia a possibilidade de uma grave crise de estrangulamento cambial e, como consequência, o aprofundamento do processo de reversão neocolonial que solapa a capacidade de o Estado defender a economia popular e promover o desenvolvimento nacional. [1]
A desvalorização da taxa nominal de câmbio da ordem de 80% desde agosto de 2014 e 30% desde julho de 2015 é parte do processo de reacomodação da hierarquia internacional das moedas provocado pelo fortalecimento do dólar. Condicionada pela expectativa de inflexão na política de “facilitação quantitativa” do Federal Reserve, a depreciação das moedas em relação ao dólar foi reforçada pelo enfraquecimento do renminbi após a eclosão da crise financeira chinesa. As economias da periferia com elevada dependência da exportação de commodities foram as mais afetadas.[2]
A queda mais intensa do Real deve ser atribuída à situação cambial particularmente delicada em que se encontra a economia brasileira.[3] A inflexão dos superávits comerciais e a escalada das transferências de recursos ao exterior para saldar obrigações decorrentes da crescente presença do capital internacional – seja na forma de transferências de juros, remessas de lucros e royalties, seja no acúmulo de despesas com a amortização da dívida externa – levaram a uma crescente ampliação do hiato de recursos necessários para fechar o balanço de pagamentos.
A dimensão do problema pode ser aquilatada quando se leva em consideração que entre 2006 e 2014: a) o saldo comercial sofreu uma contração de mais de US$ 50 bilhões (passado de um superávit de US$ 46,5 bilhões para um déficit US$ 3,9 bilhões); b) o resultado do balanço de pagamentos em conta corrente sofreu uma deterioração de US$ 104 bilhões (passando de um saldo positivo de US$ 13 bilhões para um déficit de 91 bilhões); e c) as despesas anuais com amortizações referentes à dívida externa total aumentaram em US$ 102 bilhões (passando de US$ 53 para US$ US$$ 155 bilhões).
À necessidade de crescentes fluxos de recursos externos para cobrir obrigações no exterior, soma-se a extraordinária vulnerabilidade da economia brasileira a movimentos de fuga de capital.[4] Ao sancionar a enxurrada de capitais que entravam no país para aproveitar as fabulosas oportunidades de lucro fácil abertas pela especulação em carry trade e pelo crescimento impulsionado pelo boom das commodities, o ciclo “neodesenvolvimentista” acarretou uma expansão exponencial do estoque de ativos de estrangeiros no país. A contrapartida contábil da temerária decisão de surfar na bolha financeira internacional foi o aumento do passivo externo bruto em 4,4 vezes entre dezembro de 2002 e junho de 2015. O potencial desestabilizador que isso representa fica patente quando se constata que a magnitude do passivo externo financeiro líquido (que considera apenas os ativos externos de alta liquidez e desconta o valor das reservas) atingiu US$ 632 bilhões em junho de 2015.[5]
Os problemas nas contas externas eram previsíveis. A vulnerabilidade externa é uma característica estrutural do padrão de acumulação liberal periférico. A especialização regressiva e o aprofundamento da internacionalização reforçam a tendência a desequilíbrios externos típica do subdesenvolvimento. A integração no sistema financeiro internacional leva ao paroxismo a instabilidade gerada pelos vais e vens dos fluxos de capitais também típica do subdesenvolvimento.
Posta em perspectiva histórica, a depreciação do Real, que ganha ímpeto desde meados de 2011, anuncia o inicio de uma nova fase do círculo vicioso que faz as economias enredadas no padrão de acumulação liberal periférico alternar efêmeros ciclos de bonança com longos períodos de crise e estagnação. Desde o início do processo de liberalização, que remonta ao programa de ajuste estrutural imposto pelo FMI no início dos anos 1980s, o Brasil viveu apenas doze anos de prosperidade, divididos em dois períodos de expansão da renda per capita (1994/1997 e 2004/2011), e vinte e três anos de estagnação, repartidos em três períodos (1981/1993, 1998/2003 e o que se iniciou em 2012 e não tem previsão de fim).
Os momentos de expansão e estagnação condicionam-se reciprocamente e são determinados em última instância pela conjuntura internacional. Nos contextos favoráveis em que há abundância de recursos externos e valorização dos termos de troca, o crescimento da economia é aproveitado para impulsionar novas rodadas de modernização dos padrões de consumo e vem acompanhado de valorização da taxa de câmbio, reversão dos saldos comerciais positivos e acúmulo de déficits em conta corrente no balanço de pagamentos. Nas conjunturas desfavoráveis, a economia é coagida a “ajustar-se” às novas circunstâncias. A fim de viabilizar gigantescas transferências de recursos ao exterior, reais e financeiros, o país é forçado a contrair o mercado interno, desvalorizar o câmbio, gerar mega-superávits comerciais e promover novas rodadas de privatização do patrimônio público e desnacionalização da economia.
Ainda que a desvalorização da Real possa dar algum alento a setores industriais que operam em mercados onde a proximidade do consumidor constitui importante vantagem competitiva, é uma ilusão imaginar que o encarecimento das importações possa interromper o movimento de desindustrialização. As forças responsáveis pelo desmantelamento do sistema industrial – a coluna vertebral do sistema econômico nacional – são estruturais. Elas operam tanto nos momentos de câmbio valorizado, quando a concorrência de importados inviabiliza a produção nacional, como nos momentos de desvalorização cambial, quando o aumento da dívida em moeda internacional fragiliza a empresa nacional, deixando-a a mercê de operações de açambarcamento do capital internacional; e a escassez de divisas submete o país aos imperativos do ajuste liberal, deprimindo o mercado interno e reforçando a especialização da economia na divisão internacional do trabalho.
As circunstâncias que permitiram a industrialização por substituição de importações entre 1930 e 1980 não estão mais presentes. Na era global, as exigências e requisitos da industrialização capitalista tornaram-se inconciliáveis com a industrialização baseada na proteção do mercado interno, defesa da produção nacional e forte intervenção do Estado na economia.
O desenvolvimento de cadeias de valor é incompatível com a industrialização ancorada num regime central de acumulação, que se organiza em torno de um sistema industrial articulado em torno do setor de bens de produção. O salto de qualidade nas escalas mínimas de produção inviabiliza a circunscrição do horizonte de produção aos espaços econômicos nacionais. A crescente integração do mercado mundial, que induz à progressiva liberalização comercial, inviabiliza a cristalização do mercado interno como eixo dinâmico da economia nacional. A progressiva mobilidade espacial dos capitais, sancionada pela liberalização financeira, solapa a capacidade de o Estado nacional controlar os centros internos de decisão, inviabilizando políticas voltadas para o desenvolvimento nacional. Por fim, a mudança de qualidade na estrutura técnica e financeira do capital aumenta a fragilidade relativa da base empresarial nacional e elimina qualquer possibilidade de uma reação nacionalista aos desideratos dos centros imperiais.
Nesse contexto, o raio de manobra das autoridades econômicas para proteger a economia nacional de ataques especulativos contra a moeda é mínimo, reduzindo-se basicamente à elevação dos juros da dívida pública para compensar o risco soberano e à queima de reservas para financiar os desequilíbrios externos, na esperança de que a tormenta provocada pela inflexão dos fluxos de capitais seja passageira.
O resgate do destino nacional requer uma profunda ruptura com os interesses econômicos e sociais – internos e externos – que sustentam o Plano Real. Enquanto a sociedade permanecer submetida aos imperativos do grande capital, sujeita à disciplina implacável das agências de risco e à tutela draconiana dos organismos internacionais, é impossível imaginar uma política econômica com um mínimo de conteúdo nacional e democrático.
O primeiro passo é centralizar o câmbio e estabelecer um rigoroso controle sobre o movimento de capitais a fim de evitar que as divisas sejam dilapidadas no financiamento da fuga de capitais. O segundo é romper com o padrão de acumulação baseado na cópia dos estilos de vida das economias centrais e organizar a economia e a sociedade em função dos interesses estratégicos do conjunto da população. Uma ruptura dessa envergadura é evidentemente impossível sem uma mudança prévia nas bases sociais e políticas do Estado brasileiro.
Plínio de Arruda Sampaio Jr, professor do Instituto de Economia da Unicamp – IE/UNICAMP. Artigo preparado para o Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro em outubro de 2015.
[1] O risco de que o fim da política monetária expansionista dos Estados Unidos provoque crises de dívida externa é objeto da publicação do FMI, “Global Financial Stability Report – Vulnerabilities, Legacies and Policy Challenges – Risks Rotating to Emerging Markets” de outubro, 2015.
[2] O efeito da valorização do dólar sobre as economias que fazem parte do elo fraco do sistema capitalista mundial é discutido em IMF, “World Economic Outlook”, de outubro de 2015, especialmente em seu capítulo 3.
[3] Ver IMF, World Economic Outlook, october, 2015, Gráfico 1.13, p. 21.
[4] Em 2015, o equilíbrio do balanço de pagamentos supõe a captação externa de US$ 221 bilhões, correspondendo à expectativa do Banco Central de que o déficit em conta corrente seja reduzido para US$ 65 bilhões e as despesas com o principal da dívida externa sejam da ordem de USS 156 bilhões. Entre 2009 e 2014, no auge da especulação em carry trade, a entrada líquida de recursos externos foi inferior a US$ 90 bilhões ao ano.
[5] O passivo externo financeiro líquido é calculado subtraindo do passivo externo bruto o estoque de investimentos estrangeiros diretos da modalidade “participação no capital” e as reservas cambiais (no conceito de caixa). O efeito desestabilizador de um ataque especulativo contra o Real seria ainda mais devastador porque desencadearia a fuga para o dólar de capitais (ditos) nacionais. A gravidade do problema fica evidente quando se constata que o M4 – que congrega o valor de ativos financeiros de elevada liquidez – alcança mais de 90% do PIB. Basta que uma ínfima proporção dessa riqueza busque o dólar como reserva de valor para consumir as reservas cambiais. A vulnerabilidade externa da economia brasileira é tratada em detalhada no trabalho de Fernando D’Angelo Machado, “Mobilidade de capitais e vulnerabilidade externa do Brasil: a nova qualidade da dependência financeira”. Dissertação de Mestrado, Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas – IE/UNICAMP, Campinas, 2011.
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É HORA DE ORGANIZAR O PARTIDO DAS LUTAS REAIS
1 – Quais as diferenças mais importantes entre esse início de segundo governo Dilma e os três primeiros governos do PT?
A segunda Dilma sofre as consequências das contradições acumuladas nos três governos anteriores. Os problemas foram exacerbados pela metástase da crise econômica mundial e pela absoluta falta de liderança e criatividade da presidente. A exaustão do ciclo de crescimento impulsionado pela bolha especulativa internacional destruiu as bases do chamado neodesenvolvimentismo, deixando como legado uma crise econômica de grande envergadura e difícil solução. O fim da “paz social”, cujo marco pode ser associado às revoltas urbanas que paralisaram o país em 2013, solapou o sustentáculo do chamado lulismo, escancarando uma monumental crise política institucional, cuja essência reside na falência espetacular do sistema de representação que sustentava a Nova República. As falsas soluções do modo petista de governar estouraram nas mãos de Dilma, provando que é impossível resolver os problemas fundamentais da sociedade sem enfrentar suas causas estruturais – a segregação social e a dependência externa. A fantasia construída por Lula desmanchou nas mãos de Dilma.
2 – O segundo governo Dilma te surpreende?
Para quem observa a realidade de uma perspectiva crítica, era bastante previsível que, para a classe trabalhadora, o segundo governo Dilma seria ainda mais nefasto do que o primeiro. A campanha de 2014 foi uma disputa fechada entre candidatos comprometidos com o status quo, em que cada um procurava se qualificar diante da burguesia nacional e internacional como o mais apto para fazer o “ajuste” da economia e da sociedade brasileira às exigências do capital em tempos de crise econômica mundial. Quando disse que não faria “ajuste” contra os trabalhadores nem que a vaca tossisse, a candidata Dilma camuflava seus compromissos com os donos do poder. Mentia consciente e deslavadamente. Seu programa eleitoral se enquadrava integralmente na agenda liberal. As grandes empreiteiras, mineradoras, empresas de agronegócios e instituições financeiras apostaram na impostura e não pouparam recursos para financiar a sua eleição. Também não lhe faltou apoio da comunidade internacional (eufemismo para designar imperialismo). Era, portanto, previsível que a segunda Dilma estaria comprometida até a medula com o “ajuste” neoliberal.[1]
Reconheço, no entanto, que ninguém esperava que a rendição à pauta reacionária fosse tão rápida e descarada. A característica que mais surpreende do segundo governo de Dilma é sua absoluta inépcia para enfrentar os problemas do povo, patente na sua gigantesca covardia para se contrapor aos poderosos e total insensibilidade para com o sofrimento da população. O marqueteiro que inventou a marca de fantasia “coração valente” certamente queria ocultar a verdadeira personalidade política de Dilma. É o metier deles.
3 – Qual o momento de inflexão que pode ter levado à ofensiva conservadora que temos visto na sociedade brasileira?
A guinada conservadora foi duplamente condicionada. Por um lado, a sociedade brasileira recebeu os ventos conservadores do “regime de austeridade” que se impôs sobre o mundo capitalista a partir de 2010. A “solução americana” para a crise econômica supõe uma brutal ofensiva sobre o trabalho com os retrocessos democráticos correspondentes. O rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores requer um padrão de dominação mais duro e autoritário. Não por acaso, as agências internacionais de avaliação de risco incluem em suas análises verificar a presença de leis antiterroristas que criminalizam a luta social. Por outro lado, o giro conservador responde à necessidade de conter os ventos de mudanças provocados pelas revoltas urbanas de 2013. A polarização da luta de classes, provocada pela exaustão do ciclo de crescimento e pela falência do lulismo, fica patente quando se observa o conteúdo da luta de classes no último período. Para os de baixo, o “melhorismo” dos anos Lula foi pouco. A juventude foi às ruas para exigir políticas sociais e reformas democráticas. Para os de cima, o “melhorismo” petista foi muito. Sentindo que seus privilégios seculares podem ser ameaçados, a plutocracia brasileira range os dentes a afia as unhas. A classe dominante brasileira sabe que o ajuste ortodoxo implica grandes sacrifícios para a população e vê com muito medo a emergência do povo na história. Juventude lutando pela mobilidade urbana, estudantes ocupando escolas para exigir ensino público, pobres protestando contra a violência policial que assassina seus filhos, trabalhadores fazendo greve por salários e direitos, negros exigindo seus direitos secularmente negados, índios lutando pela sua terra e seus rios, manifestações de rua contra falta d’água, sem tetos ocupando terrenos, etc., tudo isso é altamente subversivo e aterroriza as classes dominantes.
4 – Quais as raízes das crises econômica e política? Alguma veio antes da outra?
As crises econômicas e políticas condicionam-se reciprocamente, mas possuem dinâmicas próprias que não podem ser reduzidas uma à outra. A crise econômica é determinada em última instância pela necessidade de “ajustar” a economia brasileira à posição ainda mais subalterna na divisão internacional do trabalho. A crise política é determinada pelo fim da paz social. A primeira fica patente no fiasco do chamado neodesenvolvimentismo, nada mais e nada menos do que mais uma rodada de modernização dos padrões de consumo que aprofundou o caráter subdesenvolvido e dependente da economia brasileira. A segunda é caracterizada pela exaustão do melhorismo lulista, cuja essência consistia em aproveitar a pequena folga gerada pelo crescimento econômico para reforçar as políticas assistencialistas e mitigar (não reverter) o processo de concentração de renda característico do modelo econômico brasileiro.
A crise política extrapola o problema da desagregação irreversível do governo Dilma. É o regime político instaurado na Nova República que já não agrada nem aos de baixo, que exigem que as promessas cidadãs da Constituição sejam cumpridas, nem aos de cima, que precisam erradicar o pouco que ainda resta de conteúdo democrático na Carta de 1988 para ter condições de aprofundar a reversão neocolonial exigida pelo ajuste liberal. Enfim, ao provocar uma forte polarização da luta de classes, o fim do ciclo petista precipitou o debacle do pacto de poder civil que institucionalizou a transição lenta, segura e gradual iniciada pela ditadura militar. A recomposição do padrão de dominação é uma condição necessária, ainda que insuficiente, para a solução da crise econômica, a qual depende em última instância da redefinição do papel do país na nova divisão internacional do trabalho. O Brasil entrou numa era de grande turbulência econômica, política e social. Não há solução rápida e indolor para os efeitos altamente antisociais, antinacionais e antidemocráticos da crise capitalista sobre a sociedade brasileira.
5 – Que relações é possível estabelecer entre o avanço conservador na política e as “soluções” que o governo tem encontrado para a crise econômica?
A relação é direta. A solução da crise capitalista requer um rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores, ou seja, uma ofensiva sobre os salários e os direitos sociais. Em última instância, é a sobrevivência das clausulas progressistas da Constituição de 1988 que está em questão. A gravidade do ataque pode ser dimensionada quando se leva em consideração as tendências que regem a reorganização do sistema capitalista mundial. Ao contrário do que se propalou no auge do delírio neodesenvolvimentista, o Brasil não está “emergindo” como uma potência mundial. Isso foi um blábláblá. Na realidade, a economia brasileira está sendo rebaixada para uma posição ainda mais subalterna na divisão internacional do trabalho. A rapidez e profundidade do processo de desindustrialização evidenciam a precariedade de nossa situação. O que vem pela frente pode ser imaginado quando se leva em consideração o salário e os direitos que correspondem a um trabalhador de numa “feitoria” moderna. A pilhagem neocolonial não tem limite. A incúria, o descaso, a irresponsabilidade, a impunidade vistas em Mariana – uma catástrofe anunciada – mostram do que a nossa burguesia é capaz e o quanto ela é indiferente às tragédias que abalam a vida nacional.
6 – Qual a melhor forma de os trabalhadores e a esquerda se organizar para enfrentar tanto o avanço conservador em geral quanto o ajuste fiscal?
A luta de classes se polariza entre dois partidos: o partido do “ajuste” e o partido “contra o ajuste” – o pólo conservador e o pólo da transformação democrática. A forma mais eficaz de barrar a ofensiva do capital será definida pelas contingências concretas da luta de classes, mas algumas lições históricas não podem ser desprezadas. Para vencer o partido do “ajuste” é preciso, em primeiro lugar, sair da arapuca que reduz a política a escolhas binárias, deixando a sociedade brasileira entre a cruz e a caldeirinha – a opção do ajuste duro e franco e a opção do ajuste um pouco menos duro e dissimulado. Enquanto o horizonte político estiver monopolizado pelas alternativas da ordem liberal, o raio de manobra dos trabalhadores é mínimo. Para sair desse antro estreito, é preciso superar qualquer esperança de uma vida melhor sem romper com os parâmetros do capitalismo global. Isso coloca a necessidade de radicalizar a crítica e criar instrumentos políticos necessários para a mudança. É o próprio processo de luta e aprendizado que forja a constituição do sujeito histórico capaz de abrir novos horizontes para a sociedade. Em termos práticos, os trabalhadores precisam compreender que para derrotar o ajuste, precisam derrotar a política econômica; para derrotar a política econômica, precisam derrotar o modelo econômico; e para derrotar o modelo econômico, precisam mudar as bases do Estado brasileiro e criar alternativas econômicas concretas. Não é uma tarefa fácil, mas é a tarefa histórica que se coloca.
7 – O que representa o aceite do pedido de abertura do processo de impeachment?
O princípio de revogação de mandato é em tese muito positivo. Quando mobilizado pela população para depor governantes que usurpam a vontade popular, é um instrumento que fortalece a vida democrática. Quando mobilizado como arma de chantagem política ou pura e simples conspiração, é um recurso que desmoraliza a política e acelera a decomposição do sistema de representação.
O processo de impeachment, deflagrado por Eduardo Cunha e apoiado por Michel Temer e Aécio Neves, enquadra-se na segunda alternativa. A luta fratricida para ver quem fica no Planalto será um show de horror e deve aprofundar a desmoralização do congresso nacional. É golpista contra golpista. Dilma deu um golpe imperdoável no povo brasileiro quando mentiu deslavadamente na eleição. É grave! A impostura e a mentira corrompem o princípio básico da representação popular. Cunha, Temer e Aécio são golpistas por natureza. Confundem política com golpe. Transformam a conspiração e a traição em virtude.
A situação é completamente diferente daquela que levou ao impeachment de Collor. A saída de Collor abriu caminho para a consolidação do pacto de poder civil que, aos trancos e barrancos, durou duas décadas, pondo um ponto final na longa transição da ditadura militar. Foi um arranjo político que se revelou altamente funcional para dar sustentabilidade à liberalização da economia brasileira. A situação atual é completamente diferente. A sociedade brasileira não está no momento final de uma longa crise econômica e política, mas no seu início. Trocar seis por meia dúzia não resolverá nada.
Para os trabalhadores, a pior coisa que pode acontecer é ser mobilizado como massa de manobra das facções em luta. Qualquer que seja o desfecho do processo em curso, nada de substantivo mudará na vida do povo. O partido do ajuste continuará no poder. O processo será um circo que desviará a atenção da população do principal: barrar o ajuste neoliberal. Se a presidente for deposta, vai acontecer apenas um roque entre quem está no governo e quem está na oposição. Não está descartada a possibilidade de que, durante o processo de impeachment, as duas alas do partido do ajuste fechem um acordo de responsabilidade em torno das medidas regressivas e repressivas exigidas pelo ajuste. Lula já fez um apelo dramático para que aos sindicatos e os movimentos sociais deixem de criticar a política econômica. Tampouco está fora de cogitação a possibilidade da negociação de um “acordão”, envolvendo o próprio PT, em torno de um governo de salvação que anistie os “malfeitos” do passado em nome da prosperidade econômica e da unidade nacional. Na tradição brasileira de conciliação por cima, tudo é possível. O impeachment não resolverá nenhum dos problemas fundamentais responsáveis pela crise econômica e política. Se Dilma for deposta, em pouco tempo, o movimento da crise moerá quem entrar no seu lugar.
8 – Que papel tem desempenhado o PMDB em meio à crise política?
O PMDB é o partido dos grandes negócios. Sua presença no aparelho de Estado é uma questão de vida ou morte. Ele não possui ideologia alguma. Sua direção é controlada por operadores velhacos a serviço dos grandes e pequenos interesses da burguesia. São verdadeiros profissionais da chantagem e da extorsão que fazem a intermediação entre os negócios do Estado e os negócios privados. O partido é um caleidoscópio. Muda de posição conforme a situação. Fará o que for necessário para não perder sua participação nas tenebrosas transações que surgem no interior do Estado. Na luta entre a esquerda da ordem – polarizada em torno do PT – e a direita da ordem – polarizada em torno do PSDB – ele atua como fiel da balança. No momento em que os caciques do PMDB desembarcarem do governo, a sorte de Dilma estará selada. A julgar pela atitude imediata do vice-presidente frente à situação aberta pelo encaminhamento do processo de impeachment, ele já sonha com a faixa presidencial. O PT é vítima de sua própria malandragem. Não se faz pacto com o diabo impunemente.
9 – A socialdemocracia no Brasil chegou ao seu limite?
A socialdemocracia não chegou ao limite porque ela na verdade nunca existiu no Brasil. Não há bases objetivas e subjetivas para uma política reformista no Brasil. De um lado, o capitalismo brasileiro é impulsionado por um padrão de acumulação que se sustenta na superexploração do trabalho e na presença dominante do capital internacional. Nessas condições, não há espaço objetivo para políticas que procurem enfrentar a segregação social e o colonialismo – as duas causas fundamentais das mazelas do povo. De outro lado, a sobrevivência do capitalismo dependente requer um padrão de dominação que funciona como uma democracia restrita, hermeticamente fechada às demandas das classes subalternas. Nessas circunstâncias, não há espaço real para que a luta política institucional avance a ponto de colocar em risco as estruturas do capitalismo dependente – a segregação social e a dominação imperialista. A intolerância em relação à mobilização do conflito social como forma de conquista de direitos coletivos – a essência de um regime político democrático – fecha as portas para qualquer tipo de experiência reformista. No Brasil, o compromisso da burguesia com a democracia acaba no momento em que ela coloca em risco seus privilégios. O melhorismo de Lula passou muito longe de qualquer proposta socialdemocrata. Lula não reformou nada. Ao contrário. Seu governo aprofundou o subdesenvolvimento. O PT representa a “esquerda” da ordem – a ordem comprometida com a reprodução do capitalismo dependente.
10 – Como vês a formação das frentes, como a Povo Sem Medo e a Brasil Popular, na atual conjuntura?
A iniciativa do Povo Sem Medo de organizar a população para enfrentar o ajuste neoliberal é positiva, mas insuficiente. O ajuste não é uma política do Ministro Levy que poderia eventualmente ser derrotada com a sua substituição por uma figura menos identificada com os interesses do mercado financeiro. É um engodo imaginar que o governo Dilma esteja em disputa. Dilma é totalmente subserviente ao grande capital e atua de acordo com os ditames do ajuste neoliberal. Portanto, é impossível ser contra o ajuste e apoiar veladamente o governo. O fato de Dilma ser um mal menor quando comparada a Aécio e Temer não muda em nada a situação. Enquanto os que combatem o ajuste ficarem presos à disjuntiva do “menos pior”, o partido “contra o ajuste” – o partido das vítimas do capitalismo – não tem como se firmar como uma referência capaz de abrir novos horizontes para a sociedade brasileira. Os que lutam contra o ajuste não podem ter o rabo preso com o Estado.
A Frente Brasil Popular é uma iniciativa desesperada dos governistas para tentar salvar Dilma. Composta de movimentos sociais e sindicatos atrelados ao Estado, ela não deu nenhum sinal de que terá vigor para liderar grandes mobilizações de massa. O agravamento da crise econômica e do desemprego deve diminuir ainda mais sua capacidade convocatória. Não creio que consigam ir além do esperneio.
11 – Que alternativas os partidos de esquerda e os movimentos conseguem oferecer hoje? Estão prontos para fazer esse enfrentamento?
A esquerda precisa organizar os trabalhadores para resistir à nova ofensiva do capital e criar uma alternativa ao capitalismo. O fundamental é não repetir o fiasco do PT que, na hora H, jogou a toalha e se rendeu às circunstâncias, tornando-se um partido convencional, com todos os vícios da política brasileira. Sem luta, o custo da crise será jogado nas costas dos trabalhadores. Sem grandes transformações sociais, não há como evitar o avanço da barbárie.
Os desafios históricos colocam na ordem do dia a necessidade de criar força política para que a economia e a sociedade sejam organizadas em função do que é imprescindível e estratégico para o conjunto da população. O ponto de partida é superar qualquer ilusão de que os graves problemas da população brasileira possam ser resolvidos com crescimento e melhorismo. O crescimento e o melhorismo mitigam temporariamente os problemas do povo. Como não alteram as estruturas responsáveis pela reprodução do subdesenvolvimento e da dependência, os problemas reaparecem com força redobrada quando o ciclo expansivo se esgota. Também é importante superar qualquer ilusão parlamentar. Enquanto permanecer presa às armadilhas institucionais que subordinam a luta pelo poder à dinâmica do processo eleitoral burguês e à conquista de aparelhos de Estado, a esquerda não terão força efetiva para enfrentar seus desafios históricos. A solução popular para a crise tem de ser construída de baixo para cima, lastreada em sólida organização dos trabalhadores. Os salões e os palácios são campos minados. O partido “contra o ajuste” é o “partido das ruas”. Ele deu as caras nas primeiras ondas das Jornadas de Junho. O compromisso da esquerda é com a revolução brasileira.
12 – Quais os elementos que já temos para desencadear a Revolução Brasileira e quais ainda nos faltam?
A revolução brasileira está em curso. Ela é impulsionada pelas lutas reais de todos que se batem com intransigência contra a intolerância dos ricos em relação a qualquer mudança que represente uma ameaça aos privilégios aberrantes de uma sociedade baseada na segregação social. Em perspectiva de longa duração, ela deve ser entendida como o desfecho de um longo processo histórico, impulsionado pela necessidade de concluir à transição do Brasil colônia de ontem para o Brasil nação de amanhã. Seu ponto culminante é a superação definitiva das estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais responsáveis pelas mazelas do povo. O desfecho da revolução brasileira requer, como primeiro passo, a realização de duas tarefas fundamentais: a revolução democrática e a revolução nacional. A primeira tem o objetivo de eliminar o regime de segregação social em todas as suas dimensões; a segunda, a finalidade de superar o colonialismo em todas as suas dimensões. Os dois processos condicionam reciprocamente e desdobram-se em perspectiva socialista, vinculando a revolução brasileira à revolução latino-americana e a revolução latino-americana à revolução mundial.
As condições objetivas que determinam a revolução brasileira já estão maduras há algum tempo e ficam patentes na relação perversa entre desenvolvimento capitalista, reversão neocolonial e barbárie. Em outras palavras, é a absoluta incapacidade de a burguesia defender os interesses nacionais e resolver os problemas fundamentais da população que coloca a revolução brasileira na ordem do dia. A revolução social é o único meio de evitar o avanço da barbárie.
As condições subjetivas da revolução brasileira ainda precisam ser construídas. O sujeito da mudança está ai para quem quiser ver. São os trabalhadores sem terra que lutam por um lugar ao Sol, são os sem tetos que lutam por moradia, são os estudantes e professores que defendem a escola pública, é a juventude que exige mobilidade urbana, são os índios que resistem à invasão dos homens brancos, são as mulheres que batalham contra a exploração dobrada, são os trabalhadores que não aceitam a retirada de direitos sociais, é a periferia que se revolta contra o extermínio de sua juventude pela polícia militar, são os negros que enfrentam a farsa da democracia racial, enfim, é o povo brasileiro que luta por uma vida digna. A forma da revolução também já foi esboçada nas Jornadas de Junho de 2013. A força propulsora da transformação social é a revolta avassaladora do povo contra seus opressores. Isso já existe de maneira anárquica e pulverizada. Falta unificar as ações dispersas em torno de um programa revolucionário. Falta criar instrumentos políticos que permitam transformar a energia difusa das massas inconformadas em força política condensada. Falta organizar o partido das lutas reais. Isto está sendo construído lentamente por todos que se levantam sem fazer concessão em defesa dos interesses estratégicos dos trabalhadores. É impossível prever quando tal construção sofrerá um salto de qualidade. Se demorar muito, o Brasil afundará num dantesco mar de lama.
Plínio de Arruda Sampaio Jr., entrevista feita por Alexandre Haubrich para ao Jornal do Sintrajufe/RS em 08/12/2015.
[1] Para que não pareça profeta de fatos acontecidos, remeto o leitor para o editorial do Correio da Cidadania escrito no dia de sua vitória no segundo turno – http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10183:2014-10-27-14-39-28&catid=27:editorial&Itemid=128.
OS LIMITES DO MELHORISMO PETISTA
O compromisso de subordinar a razão de Estado aos interesses estratégicos do grande capital, selado por Lula na famigerada Carta aos Brasileiros, é o elemento-chave para compreender as possibilidades e os limites dos governos petistas como instrumento estratégico da dominação burguesa. Eleitas com o mandato de garantir a paz social, as administrações petistas dispõem de reduzidíssima margem de manobra para atender as demandas da população, pois dentro dos parâmetros da ordem global é impossível questionar a dupla articulação que garante a reprodução da situação de dependência e subdesenvolvimento – a segregação social e o colonialismo econômico e cultural. Ao desencadear um processo de reversão neocolonial, a ofensiva permanente do capital contra o trabalho não deixa espaço para a implementação de políticas públicas que defendam os interesses estratégicos do país e contemplem minimamente o bem-estar geral dos trabalhadores. Nessas circunstâncias, a capacidade de legitimar o status quo e impedir a emergência do conflito social – condições indispensáveis para a estabilidade do pacto de poder – depende particularmente do bom andamento dos negócios e da passivilidade das massas.
Nos dois governos de Lula, uma combinação muito particular de condições econômicas e sociais permitiu que as contradições do padrão de acumulação liberal periférico fossem administradas através da estratégia de fuga para frente.
Ao sancionar as pressões do capital internacional, o governo Lula aprofundou o movimento de liberalização iniciado por Collor de Mello no início de 1990 e consolidado por Fernando Henrique Cardoso com o Plano Real. Nas circunstâncias geradas pelo ciclo especulativo internacional, o ajuste da economia brasileira às exigências da ordem global em tempos de crise franqueou o caminho para uma nova rodada de tenebrosas transações. Durante oito anos, o país surfou na onda especulativa internacional. Nesse período, a burguesia internacional e a plutocracia nacional não tiveram do que se queixar. A rentabilidade dos bancos bateu recordes. O latifúndio expandiu o agronegócio até a Amazônia. Os mega-eventos turbinaram a especulação imobiliária enquanto investimentos faraônicos alimentavam a farra das empreiteiras. A privatização do petróleo descoberto na camada do pré-sal gerou negócios bilionários. Os juros elevados continuaram sustentando o rentismo, enquanto as grandes operadoras ampliaram inescrupulosamente a exploração dos serviços públicos. O comércio internacional gerou lucros que lembravam a época da colônia. As multinacionais jamais venderam tantos automóveis e bugigangas. A especulação com „carry trade“ transformou o Brasil num dos principais destinos do capital especulativo internacional. Não surpreende que Lula tenha se tornado xodó da comunidade econômica internacional e tenha contado, na crise do mensalão, com pleno apoio da alta burguesia para abortar qualquer iniciativa golpista por parte dos partidos da oposição.
Impulsionada pelo aumento das exportações, pela abundância de liquidez internacional e pelo endividamento crescente das famílias, a economia brasileira voltou a crescer. Após duas décadas de estagnação, a mudança no estado de ânimo das massas foi imediata. O aumento do emprego, a recuperação relativa do salário mínimo, a transferência de renda através dos programas sociais da „Bolsa Família“, a expansão desenfreada do crédito ao consumidor e a expressiva valorização do câmbio aumentaram o poder de compra das camadas mais pobres da população. O acesso a bens de consumo conspícuos e a expectativa de uma melhoria nas condições de vida garantiram a lealdade dos de baixo. O controle dos principais sindicatos e a cooptação dos movimentos sociais desmobilizaram os trabalhadores organizados. Sem possibilidade de expressão social e política, as contradições provocadas pelo crescimento baseado na especulação internacional e na modernização dos padrões de consumo acumularam-se no interior da sociedade.
A partir de 2011, coincidindo com a chegada de Dilma ao governo, as condições objetivas e subjetivas que davam sustentação à paz social petista começaram a desaparecer. A exaustão do ciclo de crescimento e a retomada das mobilizações sociais deram início a uma conjuntura de progressiva instabilidade econômica e crescente conflito social.
O recrudescimento da crise econômica mundial deprimiu o comércio internacional. A inflexão na política monetária dos Estados Unidos gerou incertezas em relação à direção dos fluxos de capitais internacionais. Sem possibilidade de compensar os efeitos recessivos provocados pela crise internacional expandindo o mercado interno, a economia brasileira estagnou. Sem instrumentos para controlar o movimento de capitais, a extraordinária vulnerabilidade do setor externo veio à tona e o país voltou a viver o espectro de crises de estrangulamento cambial. Os efeitos positivos do ataque especulativo do capital internacional sobre o crescimento econômico tinham se exaurido. Restava pagar a conta de uma política econômica temerária.
Ainda que a reversão do crescimento não tenha gerado uma crise aberta de desemprego, os antagonismos provocados pelo aprofundamento do subdesenvolvimento e da dependência começaram a emergir. O aumento do emprego veio acompanhado de crescente precarização do trabalho. A especulação imobiliária provocada pelos mega-eventos agravou o problema da falta de moradia. O boom de venda de automóveis agudizou os problemas de mobilidade urbana. O descaso com as condições de vida da população levou a crise urbana ao ponto de ebulição. A escalada no consumo de bens superfluos veio acompanhado de crescente deterioração da oferta de bens e serviços essenciais: educação, saúde, habitação, transporte público, segurança, cultura e lazer. O desperdício de recursos em investimentos despropositados tinha como efeito obrigatório a penúria de recursos para políticas públicas.
Mesmo antes da revolta urbana de junho de 2013, a escalada do conflito social era evidente. A partir de 2010, as greves multiplicaram-se ano a ano, alcançando um patamar só superado por aqueles alcançados no final dos anos 1980s, e o movimento social urbano, sob novas lideranças e novos métodos de luta, retomou sua capacidade de iniciativa. A impossibilidade de acomodar as contradições através do crescimento e o fim da letargia social solaparam as premissas da paz social. Os dois processos reforçaram-se reciprocamente.
Não bastassem os problemas herdados de Lula, a dificuldade de conciliar gregos e troianos foi agravada pelas novas exigências do capital. De um lado, o avanço da integração da economia mundial como resposta à crise – o movimento de „deep integration“ liderado pelos Estados Unidos – intensificou a pressão da comunidade internacional por uma nova geração de reformas liberais. De outro, a necessidade de tirar a juventude das ruas e conter a onda de protestos aumentou a desconfiança da plutocracia nacional em relação à utilidade do PT como garantidor da progresso e da ordem.
O vencimento do prazo de validade das administrações petistas não significa necessariamente que a burguesia esteja disposta a descartar o PT do condomínio no poder. Na ausência de alternativas confiáveis para enfentar um futuro conturbado, os préstimos do PT podem ainda ser valiosos. O acirramento da luta de classes obrigou as classes dominantes a aumentar o controle sobre o debate público e acirrar a criminalização da luta social, mas não eliminou a importância estratégica da cooptação, fragmentação e desmobilização das organizações dos trabalhadores como meios de evitar que a insatisfação social ganhe expressão política. As generosas doações das grandes empresas para a campanha Dilma revelam que a burguesia ainda hesita em relação à conveniência de abandonar a impostura como metodo de neutralização da luta social.
O estreitamento do espaço democrático tem reflexos imediatos sobre a forma de condução do processo eleitoral de 2014. Na contramão das demandas colocadas pelos jovens que sairam às ruas nas Jornadas de Junho, o Partido da Ordem conseguiu circunscrever o debate eleitoral à pauta do grande capital. Sem colocar em questão os pilares do modelo econômico e político, a discussão fica restrita à escolha do administrador mais conveniente para conduzir a nova rodada de reformas liberais e garantir a disciplina dos de baixo.
Nesse contexto, o principal desafio da esquerda socialista consiste em furar o cerco político, institucional e midiático e aproveitar as eleições para dialogar com a população sobre a urgência de uma práxis revolucionária capaz de realizar as bandeiras das Jornadas de Junho. Mais do que tirar proveito eleitoral do desgaste do governo para conquistar maior espaço no parlamento, a prioridade deve ser a conscientização da população sobre a necessidade de uma ruptura radical com o capitalismo – de horizonte socialista – como único meio de dar respostas concretas aos que lutam por uma vida melhor.
O reascenso do movimento de massas colocou na ordem do dia a necessidade de dar uma forma organizativa à energia tectônica que brota das ruas, impulsionada pelas contradições acumuladas ao longo de séculos de segregação e colonialismo e intensificada pelos nefastos antagonismos gerados pela nova rodada de modernização dos padrões de consumo. O desafio é superar a teoria e a prática do Programa Democrático Popular, cuja essência consiste em priorizar as conquistas institucionais e a ocupação dos aparelhos de Estado como meio de atenuar a exploração dos atrabalhadores e conseguir melhorias graduais nas condições de vida da população – uma verdadeira quadratura do círculo. Enquanto a esquerda não se desvencilhar das ilusoes e das armadilhas de uma democracia restrita, que não contempla a possibilidade de mudanças estruturais, não terá condições de se colocar à altura dos desafios históricos e liderar a revolução brasileira.
Plinio de Arruda Sampaio Jr.
Instituto de Economia – UNICAMP
Unicamp-Professor Sampaio hat einen berühmten Vater:http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=90&Itemid=218
http://www.hart-brasilientexte.de/2011/09/20/brasilien-daten-statistiken-bewertungen-rankings/
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=55167
“Se o governo Dilma pretende pautar sua política externa pelo tema dos direitos humanos, deve exigir da ONU investigar o país que mais comete violações: os EUA. Que o digam os iraquianos e os afegãos.”
Dominikaner Frei Betto beim Website-Interview.
“E com que cara o Brasil fala em direitos humanos em outros países se aqui ocorrem cerca de 40 mil assassinatos por ano; a polícia civil de São Paulo acusa grupos de extermínio formados por PMs de matar 150 pessoas entre 2006 e 2010 (61% sem antecedentes criminais); e o Ministério do Trabalho divulga que há cerca de 25 mil pessoas em regime de trabalho escravo.”
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Die Rio-Äußerung 2010 von Bundesaußenminister Guido Westerwelle(FDP), die wegen der grauenhaften Menschenrechtslage in Brasilien besonders aufhorchen ließ:”Erneut lobte Westerwelle in seiner Rede Brasilien als wichtigen “strategischen Partner” Deutschlands. Die Interessen reichten weit über Wirtschaftsinteressen hinaus. “Wir wissen, dass wir im Geiste sehr eng verbunden sind.” (Tagesspiegel) Außenminister Westerwelle traf diese Bewertung vor dem Hintergrund sehr genauer Kenntnis der gravierenden, von Staat und Regierung/Staats-und Regierungsangestellten begangenen Menschenrechtsverletzungen in Brasilien. Dies läßt wichtige Rückschlüsse auf aktuelle Politikziele in Deutschland zu.
http://www.hart-brasilientexte.de/2008/02/15/wem-nutzen-banditendiktatur-und-immer-mehr-no-go-areas/
Die kubanische Regierungsgegnerin Yoani Sanchez und die Menschenrechtslage in Brasilien.
Ausriß. Scheiterhaufenopfer(Microondas), Januar 2013, Rio de Janeiro. http://www.deutschlandradiokultur.de/moderne-scheiterhaufen-aus-autoreifen.1013.de.html?dram:article_id=167263
Ausriß: “Yoani: Ich will diese Demokratie in meinem Land.” Kubanische Regierungsgegnerin Yoani Sanchez während ihres Brasilien-Besuchs.
Rousseff-Impeachment, Bolsonaro, Yoani Sanchez:http://www.hart-brasilientexte.de/2016/04/21/brasilien-2016-die-impeachment-hintergruende-bundesstaatsanwaltschaft-in-brasilia-muss-sich-auf-oeffentlichen-druck-mit-bisher-ueber-17000-anzeigen-und-protesten-gegen-rechtsgerichteten-abgeordnete/
Erwartungsgemäß hat sich Yoani Sanchez u.a. auch nicht von der Verbrennung brasilianischer Bürgerrechtler auf Scheiterhaufen distanziert.
Westerwelle in Rio de Janeiros Scheiterhaufen-Favela Mangueira:http://www.hart-brasilientexte.de/2013/04/15/brasilien-scheiterhaufen-microondas-bis-2011-auch-rio-favela-mangueira-sitz-der-gleichnamigen-beruhmten-sambaschule-laut-qualitatszeitung-o-globo/
Das gefesselte Opfer in Autoreifen wird mit Benzin übergossen…Wie hochrangige deutsche Politiker zur Scheiterhaufenpraxis in Brasilien, strategischer Partner der Merkel-Gabriel-Regierung, schweigen:
Brasilien, Geldfußballweltmeisterschaft und Berichterstattungsvorschriften – Parallelen zu Olympischen Sommerspielen 2016: http://www.hart-brasilientexte.de/2014/04/20/fusball-weltmeisterschaft-2014-in-brasilien-inzwischen-wird-deutlich-welche-berichterstattungsvorschriften-bereits-gelten-aspekte-folterstaat-paulo-coelho-position-rekord-bei-morden-an-homosexuel/
Katholischer Priester Günther Zgubic aus Österreich, langjähriger Leiter der Gefangenenseelsorge Brasiliens, zum beredten Schweigen ausländischer Medien angesichts gravierender Menschenrechtsverletzungen in dem Tropenland: „Die internationalen Medien sind total manipuliert – wenn eine Oberschicht einfach nicht will, daß international hinterfragt wird, dann wird darüber eben nicht berichtet.”
„Erfolgsmodell Brasilien“. taz Berlin 2014
Bisher keine Distanzierung Berlins von Scheiterhaufenpraxis Brasiliens, die u.a. Protestpotential der Slums einschüchtern soll.
Banditendiktatur zwecks Einschüchterung, Paralysierung von Protestpotential – Methode findet offenbar auch Anklang bei Autoritäten in Deutschland – Schaffung von immer mehr No-Go-Areas: http://www.hart-brasilientexte.de/2008/02/15/wem-nutzen-banditendiktatur-und-immer-mehr-no-go-areas/
Diktaturopfer – getötete Regimegegnerin, Foto von kirchlichen Menschenrechtsaktivisten Brasiliens.
Wie die Militärdiktatur Frauen folterte: http://www.hart-brasilientexte.de/2013/03/26/brasiliens-komplizierte-vergangenheitsbewaltigung-maria-amelia-de-almeida-teles-grauenhaft-gefolterte-regimegnerin-heute-mitglied-der-wahrheitskommission-
Obdachloser, barfuß, stark abgemagert und geschwächt, bei Apriltemperatur 2016 von 15 Grad, ohne Hemd, in Lateinamerikas reichster Stadt Sao Paulo. Die Erfahrung zeigt, daß Menschen dieses Elendsstadiums rasch Opfer einer Unterkühlung oder irrationaler Gewalt werden, diese gar ein Auto überrollt. Wegen des sehr schwachen Immunsystems sind Straßenbewohner besonders anfällig für tödliche Krankheiten, gängige Epidemien.
Mangels Ausweispapieren, fehlender staatlicher Bemühungen um eine Identifikation werden tote Verelendete dann gewöhnlich in Massengräber geworfen. Der Mann sieht täglich, wie Madames ihre wohlgenährten, exzellent gepflegten Hunde an ihm vorbeiführen – er kann als Mensch nicht erwarten, wenigstens annähernd so gut behandelt zu werden wie ein Hund. Sozialdarwinismus pur, neoliberale Herzenskälte allerorten.
http://das-blaettchen.de/2010/08/brasiliens-massengraeber-2172.html
“Von allen linken Präsidenten hat Lula, der als am wenigsten links eingeschätzt wird, die größten Erfolge.” Gregor Gysi
Jurandir Freire Costa, “Nicht-Menschen, ethisch-moralische Schizophrenie:
Regierungskrise 2016 – Glenn Greenwald/intercept_hintergrund:
…Goldman Sachs und Co. übernehmen
Aber es gibt ein weiteres entscheidendes Motiv hinter all dem, das offenbar wird, wenn man sich anschaut, wer Brasiliens Wirtschaft und Finanzen übernehmen soll, sobald Rousseffs Wahlsieg für nichtig erklärt wurde. Wie reutersvor drei Wochen berichtete, will Temers die Leitung der Zentralbank Paulo Leme überlassen, dem Vorsitzenden von Goldman Sachs in Brasilien. (7)
Nun berichtet die Nachrichtenagentur, dass „Murilo Portugal, Chef von Brasiliens mächtigstem Bankenverband“, – und langjähriger IWF-Geschäftsführer – „als einer der aussichtsreichsten Kandidaten für den Posten des Finanzministers gilt, wenn Temer die Macht übernimmt.“ (8) Die zudem von Temer angekündigten Sparmaßnahmen werden die von der Wirtschaftskrise bereits schwer gebeutelte Bevölkerung zusätzlich belasten. Die Rede ist von „drastischen“ Kürzungen im Staatshaushalt. (9)
Der Chef der supranationalen Banco Latinoamericano de Comercio Exterior SA, Rubens Amaral, bezeichnete Rousseffs Amtsenthebung als „einen der ersten Schritte auf dem Weg zur Normalisierung in Brasilien“, und erklärte, wenn Temers neue Regierung die vom Finanzsektor gewünschten „strukturellen Reformen“ umsetze, würden sich „definitiv“ neue Geschäftsmöglichkeiten ergeben. (10) Mit den vom Noch-Vizepräsidenten favorisierten Amtsträgern dürften Amaral und seine Kollegen aus dem Finanzsektor höchst zufrieden sein.
Währenddessen stehen die führenden Medienorgane – Globo, Abril (Veja) undEstadão – nahezu geschlossen hinter der Amtsenthebungskampagne, und haben von deren Anbeginn zu Protesten auf den Straßen aufgerufen. Warum ist das so aufschlussreich? Kürzlich veröffentlichten die „Reporter ohne Grenzen“ ihre aktuelle Fassung der jährlich erscheinenden Rangliste der Pressefreiheit.Auf dieser steht Brasilien an 104. Stelle, und zwar nicht nur wegen der gegenüber Journalisten ausgeübten Gewalt, sondern auch aufgrund folgender entscheidender Tatsache: „Die Medienlandschaft ist von starker Besitzkonzentration geprägt: Rund zehn einflussreichen Unternehmerfamilien gehören über ihre Konzerne die wichtigsten Rundfunksender und Printmedien des Landes.“ „Auch fast drei Jahrzehnte nach dem Ende der Militärdiktatur“, so Reporter ohne Grenzen, behinderten „Medienkonzentration und politische Einflussnahme“ in Brasilien „noch immer einen unabhängigen Journalismus“…
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