FSP – terça-feira, 26 de agosto de 2008
TENDÊNCIAS/DEBATES
CLÁUDIO GUIMARÃES DOS SANTOS
Será mesmo que precisamos de uma Olimpíada? Ou devemos dirigir os recursos para a efetiva melhoria da saúde e da educação?
ROBERT MUSIL já observara que há algo de muito inquietante numa época em que o adjetivo “genial” é empregado bem menos no caso de cientistas ou artistas do que no de boxeadores, futebolistas ou até mesmo cavalos de corrida. Tal inquietação, julgo eu, apenas cresce a cada Olimpíada.
O que vimos em Pequim esteve longe de ser um congraçamento da humanidade. Foi, antes, uma guerra, ainda que “edulcorada”, travada por Estados cada vez mais sequiosos de pavonear o seu poder.
Também lá, por ocasião das “breguíssimas” cerimônias de abertura, os próceres mundiais, acobertados pela hipocrisia do “espírito olímpico”, prodigalizaram declarações de confiança na espécie humana perante a massa maravilhada que assistia (“in loco” ou pela TV) ao megashow de “som e luzes”.
No caso da mídia brasileira, salvo exceções, ficou patente a falta de interesse em contribuir para que o povo pudesse penetrar, pelo menos um pouco, na complexa cultura chinesa, bem como nas profundas contradições que envolvem aquele país -um misto de capitalismo selvagem e totalitarismo político. Resumiu-se, quase sempre, como esperado, a reportagens caricatas e banais, a “piadinhas antropológicas”, quando não a comentários francamente incultos.
Não há dúvida de que, em nossos dias, as Olimpíadas são um sucedâneo, embora imperfeito, da guerra.
Por isso, não fazem senão ocultar as questões que de fato estão “em jogo” nos estádios. Estas, habitualmente, mantêm-se recalcadas, a não ser quando rompem, com a “força do reprimido”, a polidez “de rigueur” nos eventos esportivos, como se deu com o atentado terrorista em Munique ou com os boicotes às Olimpíadas de Moscou e Los Angeles.
Aliás, de jogo mesmo os tais Jogos, além do nome, não têm quase nada.
Falta-lhes, essencialmente, o traço lúdico, tão difícil de ser conceituado, mas tão fácil de ser sentido, o qual se traduz no caráter gratuito da atividade prazerosa que é feita tão-somente por ela mesma.
Na falta desse traço, os “Jogos” se transformam numa mera corrida por medalhas, gêmea da corrida armamentista ou da corrida pelo lucro.
“Servem”, assim, quando muito, para avivar rivalidades imbecis -como a que opõe Brasil e Argentina- e que são tão enfatizadas pela crônica esportiva. (Ironicamente, quando as torcidas se trucidam, quase nunca faz a crônica o devido mea-culpa; restringe-se, no mais das vezes, à mera exortação da lei e dos bons costumes, a cujo desrespeito -falta-lhe sempre dizer- ela mesma havia incitado.)
O anacronismo das Olimpíadas se esclarece quando lembramos que, nos tempos “quase míticos” da Grécia antiga, a destreza e a força física eram fatores cruciais à sobrevivência das cidades-estado. Os “cidadãos-atletas” defendiam a pólis com suas próprias vidas, em batalhas travadas com espadas, lanças ou mãos nuas. Assim, a precisão em lançar o dardo ou em ter os “pés ligeiros como Aquiles” constituíam requisitos quase intrínsecos à cidadania. Além disso, para os gregos, a excelência física não era vista como um atributo humano isolado, mas devia coexistir com a excelência do espírito, no equilíbrio sutil da paidéia.
Hoje, os tempos são outros. Armas poderosíssimas transformaram as batalhas num “jogo” anônimo de sombras que se matam remotamente ao dedilhar dos gatilhos -e, sobretudo, dos teclados.
Também o cultivo do corpo dissociou-se (é pena) daquele do espírito, degenerando numa obsessão sem sentido. Deixamos para trás, como “moeda sem valor”, o desenvolvimento global e equilibrado da pessoa.
Desse modo, o discutível espetáculo de seres humanos voluntariamente deformados -pois unilateralmente desenvolvidos-, aptos apenas para correr ou para nadar ou para saltar, deveria, em vez de nos embevecer, fazer-nos refletir sobre o rumo que vão tomando as coisas. (Sem falar no sofrimento da “legião” de atletas que ficam pelo caminho, que dão adeus ao ideal insensato do pódio muito antes do início dos Jogos.)
Ora, em vista de tudo isso, será mesmo que precisamos de uma Olimpíada? Será mesmo que devemos apoiar políticos narcisistas e empresários gananciosos que pretendem “investir” fortunas em projetos delirantes? Ou devemos dirigir esses recursos para a efetiva melhoria da saúde e da educação das incontáveis crianças que “involuem” nas favelas e grotões esquecidos do Brasil profundo, transformando-as em adultos equilibrados, de corpo saudável e espírito crítico, aptos a enfrentar os desafios que a história nos impõe?
Façam as suas apostas! A (nossa) sorte está em jogo.
CLÁUDIO GUIMARÃES DOS SANTOS , 48, médico, psicoterapeuta e neurocientista, é escritor, mestre em artes pela ECA-USP e doutor em lingüística pela Universidade de Toulouse-Le Mirail (França)
Die Lage im öffentlichen Gesundheitswesen Brasiliens hat sich inzwischen dermaßen verschlechtert, daß selbst dringliche Operationen an Unfallverletzten vielerorts nicht mehr unverzüglich vorgenommen werden können, weil Ärzte, Krankenschwestern etc. fehlen.Unfallverletzte warten oft mehrere Wochen – und länger – auf eine Operation. Die Dauerkrise im öffentlichen Gesundheitswesen führt u.a. selbst in Millionenstädten von Nordostbrasilien dazu, daß Familienangehörige einen beträchtlichen Teil der täglichen Betreuung von Kranken in den Hospitälern übernehmen müssen, darunter das Bringen von diesen auf die Toilette, ins Bad etc. Solche Familienangehörige tragen dann notgedrungen auch jene Unfallverletzten ins Klo, die keine Angehörigen haben. Derartige Verhältnisse erinnern an Zustände in afrikanischen Ländern. Viele, die auf das Einsetzen eines Herzschrittmachers warten, sterben vorher. Die Qualität derartiger Apparate, aber auch Prothesen, ist so niedrig, daß Ärzte u.a. empfehlen, mit Schrittmachern nicht an den Strand zu gehen, weil diese korrodieren könnten. Gerade in deutlich unterentwickelten Regionen Brasiliens mit fortdauernder Bevölkerungsexplosion steigt die Verkehrsunfallrate stetig an, weil selbst Analphabeten mit Motorrad, PKW, LKW unterwegs sind. Mittel-und Oberschicht sind von der Krise des Gesundheitswesens nicht bzw. kaum betroffen, sind privat versichert, nutzen Privatärzte, Privatkliniken etc.
Deutsche Regierungspolitiker haben derartige archaisch-neoliberalen Zustände nie an starkem Lob für den strategischen Partner Brasilien gehindert – was Bände über Wertvorstellungen spricht.