Exmo. Sr.
Dr. Roberto Messias Franco
DD. Presidente do IBAMA
Altamira, 22 de outubro de 2009
Excelência,
Senhor Presidente do IBAMA,
carÃssimo irmáo,Â
Lembro vivamente a nossa viagem em 14 de setembro p.p. na META, de Altamira a Belém, quando estávamos sentados um ao lado do outro e, de repente, nos demos conta da funçáo e do ministério que cada um exerce. V. Excia. ainda gentilmente me apresentou a advogada do IBAMA, Dra. Andrea.
Depois daquela viagem pensei entrar em contato com V. Excia. e marcar, se fosse possÃvel, uma audiência para, à viva voz e olho no olho, tratarmos de assuntos que me preocupam imensamente em relaçáo ao planejado AHE Belo Monte. O que me causa até insônias é a afirmaçáo de V. Excia., veiculada pela imprensa, segundo a qual as quatro audiências públicas realizadas no Xingu e em Belém seriam consideradas suficientes para que a sociedade pudesse avaliar as consequências da obra planejada.Â
Peço vênia para divergir do posicionamento de V. Excia. Estou totalmente convicto de que a populaçáo do Xingu, que eu conheço muito bem, náo teve nestas quatro audiências nem suficiente oportunidade de avaliar o projeto no que concerne à s consequências irreversÃveis nem o espaço necessário para manifestar seu ponto de vista. Tenho a impressáo de que as audiências náo passaram de mera formalidade. Na realidade, grande parte do povo que será atingido e impactado, se o projeto realmente for executado, ou náo estava presente nas reuniões ou náo conseguia manifestar-se. A maior parte do povo que será atingido vive muito distante da cidade.
Náo seria mais humano ir até os lugares, por exemplo à Volta Grande, onde este povo vive e trabalha e onde realmente vai sofrer os tremendos impactos que modificaráo toda a sua vida e a de suas famÃlias?
Náo seria mais humano ir à s aldeias para simplesmente ouvir o que os indÃgenas háo de dizer sem subjugá-los logo com uma ladainha já conhecida, mas até hoje náo comprovada, de benefÃcios que o projeto vai trazer?
Náo seria mais humano ir até à s vicinais da Rodovia Transamazônica para encontrar-se com o povo da roça e ficar atento aos seus anseios e medos quanto à implementaçáo de um projeto dessa magnitude?Â
Náo seria mais humano ir para os bairros de Altamira que seráo alagados para encontrar-se com o povo que está apavorado, pois seu futuro e o futuro de seus filhos está em jogo?
Náo seria mais humano ir também aos municÃpios de Senador José PorfÃrio e Porto de Moz para ouvir o que a populaçáo, à jusante do rio Xingu, tem a dizer a respeito desse projeto que, em grande parte, secará seus rios?
Parece-me que até esta data somente as considerações e análises do setor energético do Governo estáo sendo levadas em conta e pesam. No entanto há cientistas de renome nacional e internacional, estudiosos e peritos que se manifestam diametralmente opostos à s ponderações daquele setor e comprovam cientificamente a inviabilidade socioambiental e até financeira do projeto. Os representantes do Governo, numa reuniáo realizada na casa da Prelazia em Altamira, até admitiram que os problemas náo se situam na dimensáo técnica, mas na dimensáo socioambiental.
Ninguém duvida que o Brasil tem o know-how necessário para implantar Usinas Hidrelétricas, mas tenho absoluta certeza de que na dimensáo socioambiental os estudos elaborados deixam muito a desejar e carecem de um maior aprofundamento, pois náo se trata de máquinas e diques, de paredões de cimento e canais de derivaçáo, mas de pessoas humanas de carne e osso, que conheço, de mulheres e homens, crianças, adultos e idosos, que sofreráo os impactos. Trata-se ainda do meio-ambiente, o lar que Deus criou para estes povos, que já começou a sucumbir fatalmente à s inescrupulosas investidas de destruiçáo e aniquilamento, tornando-se inabitável e deserto como já estou vendo em outras regiões do Xingu.
Eis a razáo por que os movimentos sociais e povos indÃgenas da regiáo da Transamazônica e do Xingu solicitaram ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) a realizaçáo de 17 audiências públicas complementares.
Faço o meu apelo a V. Excia. e à sua formaçáo cristá que náo deixe de ouvir esse grito. Conheço o Xingu como a palma da minha máo. Conheço os povos do Xingu, de perto e pessoalmente, de inúmeros encontros, celebrações, reuniões e contatos, ao longo de 44 anos que aqui vivo, quase 30 dos quais como bispo. Amo esses povos e por isso entendo a minha missáo de pastor como a missáo de também irmanar-me com esses povos e seus movimentos e organizações na defesa do lar em que vivem e de seus legÃtimos anseios e suas esperanças contra agressões de qualquer tipo.Â
V. Excia. no cargo que ocupa e no ministério que exerce foi escolhido como guardiáo do Meio Ambiente. Faço votos de que sempre tenha a coragem e a força necessárias para tomar as decisões que, realmente e de modo sustentável, favorecem o Brasil e o seu povo.
V. Exci. poderá sempre contar com minhas orações.
Que Deus abençoe V. Excia. e sua famÃlia.
Cordialmente,
Erwin Krautler
Bispo do Xingu
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